«A vida não é uma recta. Nem sei se será, sequer, uma linha.
Olhar a vida com olhos de ver não é agarrar num punhado de lápis de cor e desenhar um arco-íris. E também não é pegar na borracha e apagar aquilo que já se viveu.
Viver a vida, é recomeçar, e saber fazê-lo. Recomeçar não é bom nem mau. Simplesmente, às vezes, é preciso. Recomeçar não é esquecer aquilo que se viveu, não é estalar os dedos e começar do princípio. Recomeçar não tem nada a ver com o princípio, mas com o caminho. Recomeçar é melhorar. É parar para analisar, e renovar a vontade de fazer melhor. Porque entre uma curva e outra da vida, há sonhos que ficam perdidos, projectos que se vão diminuindo, vontades que se vão perdendo. E esta vida que no princípio era a nossa, às tantas já é "qualquer coisa".»
terça-feira, 31 de março de 2015
sábado, 28 de março de 2015
sexta-feira, 27 de março de 2015
Cinco poemas de Tomas Tranströmer
CARRIL
Duas da madrugada: noite luarenta. O comboio detém-se
no meio da campina6. Bem ao longe, pontos luminosos, urbanos,
tremulam friamente a perderem-se de vista.
O mesmo sucede quando sonhamos tão profundamente
que nunca havemos de nos recordar onde estivemos
ao regressar ao nosso quarto.
Ou como alguém com uma doença tão adiantada
que todos os anos vividos passam a ser pontos trémulos,
um enxame frio e sem importância no horizonte.
O comboio continua sem se mexer um milímetro.
São as duas da madrugada: luar intenso, poucas estrelas.
***
ABRIL E O SILÊNCIO
A primavera mostra-se deserta.
A valeta, de um escuro aveludado,
rasteja ao meu lado
sem reflexos.
A única coisa que brilha
é o amarelo de flores.
Sou levado na minha sombra
como um violino
no seu estojo negro.
O que apenas quero dizer
tremeluz fora do meu alcance
como prata
em montra de casa de penhores.
***
UM CÉU POR ACABAR
O desânimo interrompe o seu curso.
A angústia interrompe o seu curso.
O abutre interrompe o seu voo.
A luminosidade impaciente escoa-se,
até os fantasmas pedem um copo de três.
Pinturas rupestres vêm à luz,
animais em ocre vermelho de um ateliê glaciar.
Todo o existente olha à sua volta.
O astro-rei é adorado.
Cada ser humano é uma porta entreaberta
que conduz a um quarto para todos.
O solo imenso no qual caminhamos.
Por entre o arvoredo, a água da chuva ilumina.
Lagos são janelas com vista para a terra.
***
O CASAL
Apagam a luz, o globo branco treme
um instante antes de se desvanecer
como um comprimido num copo de escuridão. Às escuras,
as paredes do hotel elevam-se, atingem o negrume celeste.
Os movimentos do amor esmorecem, eles dormem,
mas os pensamentos mais íntimos encontram-se
como duas cores que esbarram e se misturam,
tal papel humedecido da pintura de um garoto na idade escolar.
Ainda não é dia e há silêncio. Esta noite, porém, a cidade acercou-se.
Com janelas apagadas, as casas estão ali.
Juntas umas às outras, à espera, muito perto,
uma multidão com rostos sem expressão.
***
MEADOS DO INVERNO
Um rasto de luz azulada
irradia da minha roupa.
Decorrida está metade do inverno.
Música de choques de mil blocos de gelo.
Fecho os olhos.
Há um mundo sem ruídos,
uma fissura,
onde os mortos,
como contrabando, são passados para o além.
[in 50 Poemas, tradução de Alexandre Pastor, Relógio d'Água, 2012]
quinta-feira, 26 de março de 2015
" El pensamiento melancólico
se tiende, cuerpo, a tus orillas,
bajo el temblor del párpado, el delgado
fluir de las arterias,
la duración nocturna del latido,
la luminosa latitud del vientre,
a tu costado, cuerpo, a tus orillas,
como animal que vuelve a sus orígenes "
José Ángel Valente ( 1929-2000 )
se tiende, cuerpo, a tus orillas,
bajo el temblor del párpado, el delgado
fluir de las arterias,
la duración nocturna del latido,
la luminosa latitud del vientre,
a tu costado, cuerpo, a tus orillas,
como animal que vuelve a sus orígenes "
José Ángel Valente ( 1929-2000 )
" En tu cuerpo otear
caminos de la noche.
Perder el rumbo voluntariamente
y descubrirlo en tus palabras.
El vellocino de oro,
en tu vientre buscarlo.
Dejar para tus labios
la anunciación gozosa de El Dorado;
para tus manos, mi melancolía.
Interpretar tu rosa y tus silencios
desde esta orilla del presentimiento.
Descansar en tus ojos
mis ojos, intentando
encontrar un sentido al tiempo y a su paso "
Jesús Munárriz.
Em teu corpo pesquisar
os caminhos da noite
Perder o rumo voluntáriamente
e descobri-lo em tuas palavras.
O velo dourado
em teu ventre buscá-lo.
Deixar para teus lábios
a anunciação de gozo do El Dorado;
para as tuas mãos, minha melodia.
Interpretar tua rosa e teus silêncios
desde este lado do pressentimento.
Descansar em teus olhos
meus olhos, tentando
encontrar um sentido ao tempo e ao seu passo.
Jesus Munárriz
(tradução aj c.)
caminos de la noche.
Perder el rumbo voluntariamente
y descubrirlo en tus palabras.
El vellocino de oro,
en tu vientre buscarlo.
Dejar para tus labios
la anunciación gozosa de El Dorado;
para tus manos, mi melancolía.
Interpretar tu rosa y tus silencios
desde esta orilla del presentimiento.
Descansar en tus ojos
mis ojos, intentando
encontrar un sentido al tiempo y a su paso "
Jesús Munárriz.
Em teu corpo pesquisar
os caminhos da noite
Perder o rumo voluntáriamente
e descobri-lo em tuas palavras.
O velo dourado
em teu ventre buscá-lo.
Deixar para teus lábios
a anunciação de gozo do El Dorado;
para as tuas mãos, minha melodia.
Interpretar tua rosa e teus silêncios
desde este lado do pressentimento.
Descansar em teus olhos
meus olhos, tentando
encontrar um sentido ao tempo e ao seu passo.
Jesus Munárriz
(tradução aj c.)
" Un día yo te vi, mujer, desnuda,
y en tal caso quise los fervores
de tu cuerpo, perfumes con olores
que disipan la sombra de la duda.
Quiero saciar la gana tan aguda
aquietando las ansias con ardores,
quiero más, más te quiero con amores
que nos vistan el alma con ayuda.
Eres mujer, ¡ mujer tan delectable !,
tu lisura, la piel de los azahares,
aromosa, gentil, inmensurable.
Tus sonidos de voz, son pleamares,
los besos casi paz ineluctable,
el hambre y la sed preliminares "
Vicente L. Simó Santonja ( 1932-2014 )
Talvez nem todos saibam que Portugal foi o segundo país do mundo a abolir a pena capital, em 1867, depois do Ducado da Toscânia (1786). A iniciativa partiu do deputado liberal António Aires de Gouveia, mais tarde, bispo de Betsaida, e teve legislação a consagrá-la com a assinatura do Ministro da Justiça, Manuel Baptista. A França foi o último país da U. E. a abolir a pena de morte, já só em 1981, durante o consulado de Miterrand.
Mas durante todo o século XIX e parte do XX, houve várias personalidades, em França, que defenderam essa medida, embora sem resultados. Uma das primeiras figuras a fazer campanha pela abolição, foi o escritor Victor Hugo (1802-1885). Era conhecida a sua posição, pelo mundo fora. Daí que, logo que a legislação foi aprovada, em Portugal, o jornalista Eduardo Coelho, director do Diário de Notícias, por carta, tenha dado a conhecer a Victor Hugo a feliz notícia.
O grande escritor francês, apressou-se a responder, assim:
"Sr. Eduardo Coelho: - Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. Penhora-me a recordação da honra que me cabe nessa vitória. Humilde operário do progresso, cada novo passo que ele avança me faz pulsar o coração. Este é sublime. Abolir a morte legal deixando à morte divina todo o seu mistério, é um progresso augusto de entre todos. Felicito o vosso parlamento, os vossos pensadores, os vossos escritores e os vossos filósofos! Felicito a vossa nação. A Europa imitará Portugal.
Morte à morte! Guerra à guerra! Vida à vida! A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos cidadãos.
Aperto-vos a mão como ao meu compatriota na humanidade. - Vítor Hugo."
Nota: a tradução, da carta de V. Hugo, pertence a João de Araújo Correia, e encontra-se no seu livro Passos Perdidos (Portugália, 1967) - aqui referido recentemente - nas páginas 161/2.
A espera é sempre a parte mais dura.
___________________________________
Ela vem em cores
Ela vem em nuvens
Ela vem na esperança
da deriva, traz do mar feliz
a máxima força do futuro.
A crescer do sítio onde rebentam as fontes,
ela traz a vida, traz uma ordem luminosa
onde os amantes se deitam esquecidos.
À volta dela sinto o tempo a corrrer para longe,
Paris não existe mais.
Nela vejo o que ainda não vi,
o corpo na pupila,
a noite como só vi o dia,
as pedras a mudar de lugar
da sombra para o sol.
Oh cada hora a sinto
mais para dentro de mim
até ao outro lado da alma.
Oh Prenúncio de Primavera
na lua de Abril
enquanto te vou pensando
pelo desafio que emerge de teus seios.
te espero!
Na brancura duma espera escrita
deixo-te do silêncio a raíz aberta.
aj c.
Silvia Pelissero a.k.a. Agnes Cecile
Silvia Pelissero a.k.a. Agnes Cecile
Silvia Pelissero a.k.a. Agnes Cecile
Silvia Pelissero a.k.a. Agnes Cecile
Silvia Pelissero a.k.a. Agnes Cecile
She comes in colors, Agnes Cecile
(Eric Adams/Associated Press)
(Frank Rumpenhorst/AFP/Getty Images)
(Rob Stothard/Getty Images)
(John Tlumacki/Globe Staff)
(David Goldman/Associated Press)
(Erik S. Lesser/EPA)
(Oliver Berg/AFP/Getty Images)
(JENS BUETTNER/EPA)
The big picture
Fernando Echevarría
Ver-te dourava
o corpo da pupila.
A sombra. E as estátuas
por onde ver-te vinha
animal. E parava
redondo na retina.
o corpo da pupila.
A sombra. E as estátuas
por onde ver-te vinha
animal. E parava
redondo na retina.
segunda-feira, 23 de março de 2015
Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida.
Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona.»
Miguel Esteves Cardoso
domingo, 8 de março de 2015
sábado, 7 de março de 2015
quinta-feira, 5 de março de 2015
Subscrever:
Mensagens (Atom)