sexta-feira, 31 de março de 2017

CAFÉ



Moeda triste
que não chega a pagar o sol da tardinha
e a poeira de feno que pontilhou de oiro
teu corpo entre trigais.



João José Cochofel
Quando falas duma estrela
falas da ruiva, da polícia,
de ti? Falas da falta.
Uma cova de leite.
Pode ser um brilho que prende
o casaco, um talismã de procela.
Aquilo fica connosco até
de madrugada, quando reparamos
obriga-nos a não dormir
e por vezes tossimos um pouco.

Mas ninguém sabe da cera
iluminada por trás, pensa
cada fervor de solitário.
Depois vem a ver uma fotografia
de novecentos e sessenta e sete
e lá está bem melhor. Com
semelhante sediela se ata
o gosto para versos para ninguém.
Há uma rapariga que vê.
Liga com a sua infância
e vai tornar a filosofia inútil.

nuno vidal
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990
No segundo pátio
a torneira periódica goteja,
fatal como a morte de César.
Ambas são peças da trama que abarca
o círculo sem princípio nem fim,
a âncora do fenício,
o primeiro lobo e o primeiro cordeiro,
a data da minha morte
e o teorema perdido de Fermat.
Essa trama de ferro
pensaram-na os estóicos como um fogo
que morre e que renasce como a Fénix.
É a grande árvore das causas
e dos ramificados efeitos;
nas suas folhas estão Roma e Caldeia
e o que vêem os rostos de Jano.
O universo é um dos seus nomes.
Nunca ninguém o viu
e nenhum homem pode ver outra coisa.


jorge luís borges
obra completas 1975-1985 vol. III
a cifra (1981)
trad. fernando pinto do amaral
editorial teorema
1998

gostava de saber dizer-te como se vem de longe
num pincel de rembrandt desde os lugares do junco
ou da selva ou da água ou só do norte e da neve
e nos sentamos aqui sob o azul dos plátanos: um
murmúrio incessante do mover das aves
suave é esta a sabedoria
conhecer os instantes gomo a gomo como um fruto
ainda verde a querer despontar iluminar-se e colhê-lo
breve nos nossos dedos inteiro
e sob a nossa voz a nossa boca o nosso olhar
não estar nenhum rumor nenhum silêncio nenhum gesto
Francisco José Viegas
" Desnuda y adherida a tu desnudez.
      Mis pechos como hielos recién cortados,
      en el agua plana de tu pecho.
      Mis hombros abiertos bajo tus hombros.
      Y tú, flotante en mi desnudez.
      Alzaré los brazos y sostendré tu aire.
      Podrás desceñir mi sueño
      porque el cielo descansará en mi frente.
      Afluentes de tus ríos serán mis ríos.
      Navegaremos juntos, tú serás mi vela
      y yo te llevaré por mares escondidos.
      ¡ Qué suprema efusión de geografias !
      Tus manos sobre mis manos,
      tus ojos, aves de mi árbol,
      en la yerba de mi cabeza "

         Carmen Conde ( 1907-1996 )




Nua e ligada à tua nudez.
Meus seios como gelo recém-cortado,
na água plana do teu peito.
Meus ombros abertos sob teus ombros.
E tu, flutuante em minha nudez.
Levantarei os braços e sustentarei o teu ar.
Poderás desatar meu sonho
porque o céu vai descansar à minha frente.
Afluentes de teus rios serão meus rios.
Navegaremos juntos, tu serás minha vela
e eu te levarei por mares ocultos.
Que suprema efusão de geografias!
Tuas mãos em minhas mãos,
Teus olhos, aves de minha árvore,
na erva da minha cabeça "
.
Carmen Conde (1907-1996)
.
.
(trad. antónio.carneiro)

quarta-feira, 29 de março de 2017

ELLA NOR - Back To Black - 2015 (Amy Winehouse)

À BEIRA DE UM MAR PARECIDO


Sim, tenho ouvido dizer
que as grandes causas
são grandes e lucrativas.

Mas prefiro falar
daquele armário azul
encostado ao coração
podre.


Manuel de Freitas, Game Over2.ª ed. rev.,
com capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa: Alambique, 2017

segunda-feira, 27 de março de 2017

“Time is the longest distance between two places.” - The Glass Menagerie, Tennessee...
" Toda la oscuridad
        me la he bebido yo esta noche,
        para que al despertar la luz
        te siga dibujando.
        Aunque ya no puedas verme "

            Alfonso Brezmes.
Nunca o Amor foi breve,
quando deu fruto.
(Cantai, aves do ar,
em volta do seu berço!)

Sagre-o a Dor, nenhum Amor é vão.
Exulta, voz das ondas!
-- O seu Amor floriu, deu fruto,
como as árvores.

Cantai, aves do ar,
em volta do seu berço.
Cintilantes do Sol, saltai ao Sol,
peixes do Mar.

nunca o Amor foi triste. Nem a Vida
foi menos bela.
Baila contente, lágrima!,
baila nos olhos dela.

Sebastião da Gama,
Pelo Sonho É que Vamos
(póst., 1953)

.
.

Tuas mãos
sobem todos os meus declives;
sou até ti,
todo o meu coração se apruma
refazendo
o sonho do corpo.
.
(antónio.carneiro)

domingo, 26 de março de 2017




“putting oneself in the other’s place” (Analects, p. 92)

Don’t Think! Just Act!

“You remember lesson about
balance? Lesson not just
karate only. Lesson for whole
life. Whole life have
balance, everything be better.
Understand?”


Writing on anger, Seneca, another Roman Stoic philosopher, wrote:
Sextius had this habit, that when the day was over and he had retired to his nightly rest, he would put these questions to his soul: “What bad habit have you cured today? What fault have you resisted? In what respect are you better?” Anger will cease and become more controllable if it finds that it must appear before a judge every day.... When the light has been removed from sight, and my wife, long aware of my habit, has become silent, I scan the whole of my day and retrace all my deeds and words. I conceal nothing from myself, I omit nothing. For why should I shrink from any of my mistakes, when I may commune thus with myself?
“See that you never do that again; I will pardon you this time. In that dispute, you spoke too offensively; after this don’t have encounters with ignorant people; those who have never learned do not want to learn. You reproved that man more frankly than you ought, and consequently you have not so much mended him as offended him. In the future, consider not only the truth of what you say, but also whether the man to whom you are speaking can endure the truth. A good man accepts reproof gladly; the worse a man is the more bitterly he resents it.” (Seneca: Moral and Political Essays, Cambridge University Press, 1995, 3.36.1-4)

When you look long into an abyss, the abyss also looks into you.
—FRIEDRICH NIETZSCHE, Beyond Good and Evil

When the clouds of bewilderment clear away, there is the true void.
—MIYAMOTO MUSASHI, The Book of Five Rings


Nineteenth-century existentialist philosopher Friedrich Nietzsche describes human existence as it appears from a big-picture perspective:
In some remote corner of the universe, poured out and glittering in innumerable solar systems, there was once a star on which clever animals invented knowledge. That was the highest and most mendacious minute of “world history”—yet only a minute. After nature had drawn a few breaths the star grew cold, and the clever animals had to die.
One might invent such a fable and still not have illustrated sufficiently how wretched, how shadowy and flighty, how aimless and arbitrary, the human intellect appears in nature. There have been eternities when it did not exist; and when it is done for again, nothing will have happened. (The Portable Nietzsche, Penguin, 1976, p. 42)

Living the Absurd Life

If Sartre and Nietzsche are right, there is no objective set of values against which we may measure ourselves. We may adopt ideals, but if we are consistent we must admit that they are of our own creation. At the same time, we’re responsible for our choices and actions, and there are no excuses for what we choose to do. Thus, existentialists generally hold that human existence is absurd. We find ourselves living, interacting, and believing, for no justifiable reason. We think of ourselves and our actions as being very important, but ultimately, our actions have no meaning in any frameworks other than those we create and adopt.

The best way of warding off harm is to avoid it in the first place. (If your Karate school doesn’t stress this, get out of there!)
• Never underestimate your attacker. Always assume he’s dangerous.
• Seek to deliver your striking actions to the attacker’s anatomical weak points (eyes, nose, groin, knees) rather than hard, resistant areas (upper arms, thighs).
• After delivering the striking action to your attacker’s target area, don’t lose sight of him. Be constantly aware of the possibility of continuation of attack.
• Get away from your attacker as soon as possible.

Ethics and Value
“I really want to kill you,
but you’re not worth it”

René Descartes (1596-1650) argued that the core of human nature is the mind and its capacity to doubt and think. The body is a mere extension of the mind—the philosophical equivalent of an afterthought.
This separation of the mind from the body is described in philosophy as ‘dualism’. For many philosophers, including us, the separation does not do justice to human life. In contrast to (and in reaction to) Descartes’s dualism, other philosophers have argued that human beings are always embodied: for human beings, the mind and the body are inextricably connected.

The monk Tripitaka and his disciple Monkey were journeying to the West (India), to bring back the Buddhist scriptures to China. They were set upon by six robbers. The robbers demanded they leave their horse and bag, and depart immediately. Monkey, the guardian, refused and challenged them. They attacked him with their swords and spears, without success. Then Monkey reached into his ear and took out a pin, and waved it in the wind. It magically became an iron rod. He attacked the robbers, who ran away. But Monkey pursued them, captured them, and beat them to death with the rod; then stripped them of their clothes, and seized their valuables.
“That’s a terrible thing you have done!” said Tripitaka, “They may have been strong highwaymen, but they would not have been sentenced to death even if they had been caught and tried. If you have such abilities, you should have chased them away. How can you be a monk when you take life without cause? You showed no mercy at all!”
“But Master,” said Monkey, “if I hadn’t killed them, they would have killed you.” Tripitaka said, “As a priest I would rather die than practice violence. Now that you have entered the fold of Buddhism, if you still insist on practicing violence, you are not worthy to be a monk. You’re wicked!” Monkey departed in a huff. (From Wu Cheng-en, The Journey to the West, Chicago University Press, 1977.)


Take No Life, No First Strike, and Stop Before Harm

I should believe only in a god who understood how to dance.
—FRIEDRICH NIETZSCHE

How can we know the dancer from the dance?
—WILLIAM BUTLER YEATS


“Talk is for lovers, Merlin.
I need the sword to be king”


extractos de:
Martial arts and philosophy : beating and nothingness / edited by
Graham Priest and Damon Young.





O primeiro princípio é que você não deve se enganar, e você é a pessoa mais fácil de enganar.

— Richard P. Feynman, ganhador do Prêmio Nobel de Física




[“Conhece-te a ti mesmo”]

— Inscrição no Templo de Apolo, em Delfos
Não terei medo. O medo mata a mente. O medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu restarei.
— “Ladainha contra o medo” das Bene Gesserit, do livro Duna, de Frank Herbert

Quem te pintou?








Quem te pintou?
as tuas cores deliciam
o meu coração.
.
quero-te assim, para lá do que vejo,
tal como és,
pois a vida é retemperada
e vem colorida - de ti! .
.
(antónio.carneiro)
Existe uma antiga história budista sobre um homem que visitou um mestre zen em busca de orientação espiritual. Em vez de ouvi-lo, porém, o visitante falou apenas de suas próprias ideias a todo instante. Depois de um tempo, o mestre lhe serviu chá. Ele encheu a xícara do visitante e continuou a servi-lo enquanto o chá transbordava para a mesa. Surpreso, o visitante exclamou que sua xícara estava cheia e perguntou por que ele continuava a servir se não havia mais espaço nela. O mestre explicou que, assim como a xícara, o visitante estava cheio de suas próprias ideias e opiniões e não poderia aprender nada até que sua xícara se esvaziasse.
Ah, os primeiros minutos nos cafés de novas cidades!
A chegada pela manhã a cais ou a gares
Cheios de um silêncio repousado e claro!
Os primeiros passantes nas ruas das cidades a que se chega...
E o som especial que o correr das horas tem nas viagens...
Os ónibus ou os eléctricos ou os automóveis...
O novo aspecto das ruas de novas terras...
A paz que parecem ter para a nossa dor
O bulício alegre para a nossa tristeza
A falta de monotonia para o nosso coração cansado!...
As praças nitidamente quadradas e grandes,
As ruas com as casas que se aproximam ao fim,
As ruas transversais revelando súbitos interesses,
E através disto tudo, como uma coisa que inunda e nunca transborda,
O movimento, o movimento
Rápida coisa colorida e humana que passa e fica...
Os portos com navios parados.
Excessivamente navios parados,
Com barcos pequenos ao pé esperando...

Álvaro de Campos ( heterónimo de Fernando Pessoa)

[O poema ensina a cair ]

O poema ensina a cair 
sobre os vários solos 
desde perder o chão repentino sob os pés 
como se perde os sentidos numa 
queda de amor, ao encontro 
do cabo onde a terra abate e 
a fecunda ausência excede 

até à queda vinda 
da lenta volúpia de cair, 
quando a face atinge o solo 
numa curva delgada subtil 
uma vénia a ninguém de especial 
ou especialmente a nós uma homenagem 
póstuma. 

Luiza Neto Jorge, in 'O Seu a Seu Tempo' 
Tendría que escribirte un poema.
Un poema blando como el pan de cada día
y azul como el mechón de mi pelo.
Uno que te atara a mi piel
y que dejara en la tuya
palabras de porcelana.


Tendría que usar las letras
de un alfabeto sin inventar,
las notas de un pentagrama,
las sílabas de los silencios,
los acordes de un corazón latiendo.


Tendría que escribirte un poema
que no olvidaras nunca,
un brevísimo poema de arena
derramándose por los espacios
que dejamos al besarnos
sin apenas rozarnos los labios,
un minúsculo poema
que durmiera siempre en tu pupila
mientras yo no estuviera en ella.
Pero no sé escribir poemas de amor.


Begoña Abad

[Fragments de vida]




Teria de escrever-te um poema,
um poema macio como o pão de cada dia,
azul como a mecha do meu cabelo.
Um poema que te colasse à minha pele
e que deixasse na tua
palavras de porcelana.


Teria de usar as letras
de um alfabeto por inventar,
as notas de um pentagrama,
as sílabas do silêncio,
os acordes de um coração a bater.


Teria de escrever-te um poema
que não esquecesses nunca,
um brevíssimo poema de areia
a derramar-se nos espaços que
deixámos ao beijar-nos
quase sem tocar os lábios,
um minúsculo poema
que dormisse na tua pupila
sempre que eu não estivesse nela.


Mas não sei escrever poemas de amor.


(Trad. A.M.)
SIEMBRA



El miedo que tuve,
 si pudiera encerrarlo en una ballena muerta
 y ponerlo al sol colgado de unos cables eléctricos,

el miedo a vuestra necesidad de fruto,
 a vuestros pájaros con números de oro
 cantando en las jaulas registradoras,

el miedo que tuve
 y ya no tengo porque sembré una casa:
 la que ahora estalla de gerundios en flor.


Batania



O medo que eu tive,
se pudesse enfiá-lo numa baleia morta
e pendurá-lo nos fios ao sol,

o medo da vossa precisão de fruto,
dos vossos pássaros com números de oiro
a cantar em jaulas registadoras,

o medo que eu tive
e já não tenho porque semeei uma casa,
esta que explode agora de gerúndios em flor.



(Trad. A.M.)
Quando escrevo, repito o que já vivi antes. 
E para estas duas vidas, 
um léxico só não é suficiente. 
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo 
vivendo no rio São Francisco. 
Gostaria de ser um crocodilo 
porque amo os grandes rios, 
pois são profundos como a alma de um homem. 
Na superfície são muito vivazes e claros, 
mas nas profundezas são tranquilos 
e escuros como o sofrimento dos homens.



Guimarães Rosa
O meu sofrimento
É simples
     Tal como para cuidar de um animal de um país longínquo
     Não é necessário um tratador

A minha poesia
É simples
     Tal como para ler uma carta de um país longínquo
     Não são necessárias lágrimas

As minhas alegrias e penas
Ainda são mais simples
     Tal como para matar um homem de um país longínquo
     Não são necessárias palavras


tamura ryuichi
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de josé alberto oliveira
assírio & alvim
2001