segunda-feira, 11 de julho de 2016

Carteiro Cheval


Nós os pássaros que encantas sempre do alto desses belvederes
E formamos cada noite um ramo florido dos teus ombros aos braços do carrinho de mão bem-amado
Que nos soltamos do teu pulso mais vivos do que faíscas
Somos os suspiros da estátua de cristal que se soergue sobre o cotovelo quando o homem dorme
E brechas brilhantes se abrem no seu leito
Brechas por onde se avistam veados de cornos de coral numa clareira
E mulheres nuas num fundo de mina
Lembras-te levantavas-te então descias do comboio
Sem um olhar para a locomotiva enleada em imensas raízes 
barométricas
Que se queixa na floresta virgem com todas as suas caldeiras doloridas
As suas chaminés com fumo de jacintos e movida a serpentes azuis
Nós as plantas sujeitas a metamorfoses precedíamos-te então
E todas as noites fazíamos sinais que o homem pode surpreender
Enquanto vê a casa vir abaixo e se admira ante a engrenagem singular
Que a cama forma com o corredor e a escada
A escada ramifica-se indefinidamente
Vai dar a uma porta de meda de feno abre-se de súbito sobre uma praça pública
É feita de dorsos de cisne uma asa aberta para o corrimão
Gira sobre si própria como se fosse morder-se
Mas contenta-se em abrir sob os nossos passos todos os degraus como gavetas
Gavetas de pão gavetas de vinho gavetas de sabão gavetas de espigas gavetas de escadas
Gavetas de carne com puxador de cabelos
À hora exacta a que milhares de patos de Vaucanson alisam as penas
Sem te voltares tomavas a colher de pedreiro com que se fazem os seios
Sorríamos-te cingias a nossa cintura
E tomávamos as atitudes que o teu prazer ditava
Imóveis para sempre sob as pálpebras tal como a mulher gosta de ver o homem
Depois de ter feito amor

André Breton (1896-1966)
Poemas
(tradução de Ernesto Sampaio)

Sem comentários:

Enviar um comentário