sábado, 16 de julho de 2016

Sérgio

Onde agora estás não alcançam
o clamor dos magistrados
nem a faca do assassino.
A tua própria morte não te pertence já,
é assunto nosso, desprovido e inerte.
Que faremos nós com o teu inúmero corpo,
como te diremos o que está a acontecer-te?

Fechou-se qualquer coisa qualquer porta
espessa e desabitada,
a faca pôs tudo como estava.

Sobram, inúteis, as lágrimas (mas isso que te importa?),
as últimas palavras, a última carta. 
Se não fosse essa faca seria outra faca
noutra noite noutra autoestrada
e se não fosses tu seria outro
do mesmo modo vivo e morto.

Manuel António Pina (1943)
Poesia, Saudade da Prosa — uma antologia pessoal

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