sexta-feira, 21 de agosto de 2015

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Atomicidade da Matéria

A idéia de que o mundo é constituído de partículas padronizadas originou-se na Antigüidade. Seria difícil encontrar outra afirmação mais eloqüente da hipótese atômica do que a de Demócrito de Abdera, expressa aproximadamente no ano 500 a.C.: "Ácido por convenção, doce por convenção, colorido por convenção; na realidade, nada mais que Átomos e o Vazio."

A hipótese atômica conviveu lado a lado com a crença de que o mundo era formado pelas transformações de uma única substância contínua, por alguns denominada "Fogo", por outros "Ar" ou "Água". A observação comum de que a água podia adquirir aspecto sólido, líquido ou gasoso, dependendo da temperatura, era tomada como exemplo de uma substância contínua que podia ser capaz de simular a enorme variedade presente no mundo. Contudo, até o século XIX, os argumentos a favor, tanto da hipótese contínua, quanto da hipótese atômica, eram principalmente retóricos; poucas eram as evidências que confirmavam um ou outro ponto de vista.

 
Em 1808, o químico britânico John Dalton descobriu que as substâncias químicas se combinam segundo uma proporção fixa - uma parte de oxigênio, por exemplo, se combina com duas partes de hidrogênio para formar a água, desde que se atribua a cada parte um peso-padrão. O peso-padrão do oxigênio é dezesseis vezes maior que o do hidrogênio. Dalton sugeriu a hipótese de que essas proporções fixas refletiriam a combinação de átomos reais, cujos pesos atômicos seriam proporcionais aos pesos-padrão. De acordo com Dalton, as porções de hidrogênio e oxigênio que se combinam para formar a água obedecem à proporção dois para um porque a água é, na realidade, composta de dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio. Dalton tomou essas proporções químicas constantes como índices de uma realidade atômica invisível.

Os cientistas, em sua maioria, reconheceram os argumentos de Dalton, e aceitaram a existência real do átomo como explicação das reações químicas. Contudo, uma pequena, porém expressiva, minoria se opôs à hipótese atômica, com base no argumento de que ela ia além dos fatos.
Em 1826, Dalton recebeu das mãos do famoso químico britânico Humphry Davy a medalha de honra da Real Sociedade de Londres. Enquanto celebrava a importância do trabalho de Dalton, Davy ressaltou que a palavra "átomo" só podia ter, realmente, o significado de "equivalente químico", advertindo que o átomo era uma unidade de reação química, e não uma entidade material. Davy homenageou Dalton por sua descoberta da lei que rege as reações químicas, prevendo que sua fama seria baseada nessa descoberta prática, e não em suas especulações sobre entidades invisíveis, ocultas atrás dos fenômenos.
Químicos de diversas nacionalidades uniram-se para combater a hipótese atômica. O notável químico francês Jean Baptiste Dumas, por exemplo, proclamou: "Se eu fosse dono da situação, eu faria desaparecer da Ciência o termo átomo, persuadido de que ela ultrapassa a experiência, e que, na química, nunca devemos ultrapassar a experiência." O químico alemão Kekulé, famoso por sua descoberta do anel do benzeno (que ele supostamente, interpretou de maneira puramente simbólica), encontrou, para dizer sobre o átomo, as seguintes palavras: "A questão da existência do átomo é pouco significativa sob o ponto de vista químico; sua discussão pertence mais à metafísica. Na química, devemos apenas decidir se o reconhecimento dos átomos constitui uma hipótese condizente com o esclarecimento dos fenômenos químicos."
"E quem já viu uma molécula de gás ou um átomo?" aguilhoava o químico Marcelin Berthelot, expressando o desprezo de muitos dos seus colegas pelas entidades invisíveis, inacessíveis à experiência. Mesmo os seus defensores tinham poucas esperanças de algum dia verificar diretamente a hipótese atômica: o tamanho dessas entidades elementares - caso realmente existissem - era estimado em milhares de vezes menor do que o comprimento de uma onda luminosa, e, por isso, elas seriam, para sempre, tecnicamente invisíveis.
Wilhelm Ostwald, químico alemão que seria, mais tarde, agraciado com o prêmio Nobel, recorreu à termodinâmica química, como alternativa para a hipótese atômica. As duas leis da termodinâmica - que estabelecem o princípio da conservação da energia, e um limite, baseado na entropia, para o uso dessa energia - tiveram o seu campo ampliado por Maxwell e Gibbs, de modo a descrever com sucesso os detalhes íntimos das reações físicas e químicas, sem necessidade de recurso à hipótese atômica. O êxito da abordagem termodinâmica convenceu Ostwald e seus seguidores de que as moléculas e os átomos não passavam de um produto da imaginação, e que o componente fundamental do universo era, realmente, a energia, sob suas várias formas.
Devido à fé que depositavam na energia, e não em átomos, como fator elucidativo, Ostwald e seus seguidores foram apelidados de "energetistas". Acalorados e emocionais debates foram travados nos jornais e conferências científicas entre energetistas e aqueles que apoiavam a hipótese atômica. A severa oposição dos anti-atomistas ao trabalho desenvolvido por Ludwig Boltzmann sobre a teoria cinética dos gases, pode ter sido parcialmente responsável pelo suicídio, em 1906, daquele brilhante porém perturbado físico teórico.
Em 1905, mesmo ano em que concebeu a teoria da relatividade, demolindo o "éter da luz", Einstein publicou um trabalho sobre o movimento browniano em que apontava o caminho para a realização de experiências conclusivas, relacionadas à real existência dos átomos.
Sempre que partículas microscópicas se encontram em suspensão num líquido, ocorre, entre elas, uma dança frenética e perpétua, cuja origem permaneceu misteriosa desde a sua descoberta, em 1928, pelo botânico escocês Robert Brown. As primeiras experiências relativas ao movimento browniano foram efetuadas com pólen e, por isso, acreditava-se que a movimentação tinha origem biológica. Ainda me lembro da primeira observação através de um poderoso microscópio, daquilo que me pareceu serem "células" e de como fiquei fascinado por suas incessantes pulsações, semelhantes às de pequeninos corações, até meu professor me dizer que o que eu via era o movimento browniano de partículas de pó. Quando se descobriu que qualquer espécie de material finamente dividido mostrava a mesma agitação (até mesmo pedra retirada da esfinge foi pulverizada e posta pra dançar sob as lentes de um microscópio), a hipótese biológica foi descartada e vários mecanismos físicos foram propostos para substituí-la: gradientes térmicos, tensão superficial, obscuros efeitos eletroquímicos, etc. Nenhum deles funcionou satisfatoriamente: o movimento browniano permaneceu um mistério secundário, escondido em algum recanto escuro da Física.
Einstein explicou o movimento browniano como resultado da ação de numerosos átomos colidindo com a partícula browniana. Essa explicação havia sido anteriormente rejeitada, porque a massa dos átomos era milhões de vezes menor que a massa da partícula browniana, e sua ação coletiva não poderia resultar em qualquer movimento final, porque a mesma quantidade de átomos estaria pressionando em todas as direções.
Einstein mostrou que, embora o número átomos que atinge a partícula browniana em cada direção seja, em média, o mesmo, as flutuações desse número em torno da média provocam um desequilíbrio das forças em direções aleatórias. Em qualquer processo aleatório, as flutuações relativas, em torno de um valor médio, são inversamente proporcionais à raiz quadrada do número de amostragens - quanto menor a amostra, maior a flutuação. Para partículas maiores, a pressão maciça dos átomos circundantes realmente se equilibra, anulando-se, mas, para uma partícula pequena, as flutuações do número de átomos que colidem são suficientes para impeli-la numa direção imprevisível com uma força imprevisível. Caso os átomos existissem, o modelo de Einstein para o movimento browniano permitiria, realmente, a contagem do número de átomos que colidem, mediante a simples medida do deslocamento da partícula browniana sob a ação daquelas forças flutuantes.
Numa seqüência de experiências engenhosas, o físico francês Jean Baptiste Perrin verificou o modelo de Einstein e conseguiu, pela primeira vez, contar o número de átomos contidos em uma gota d'água. Perrin divulgou a verificação direta da hipótese atômica em 1913, num livro intitulado simplesmente "Les Atomes".
Ostwald, em 1895, atacara a hipótese atômica num discurso denominado "A derrota do materialismo científico", onde dizia: "Devemos abandonar a esperança de representar o mundo físico mediante o relacionamento dos fenômenos naturais a uma mecânica atômica. 'Mas' - ouço a vossa pergunta - 'o que nos restará para formar uma imagem da realidade, se abandonamos o átomo ?' - e a isto respondo: 'Não trareis para vós nenhuma imagem esculpida, ou nenhuma aparência de nada.' Nossa tarefa não consiste em ver o mundo através de um espelho escuro e distorcido, mas o de vê-lo diretamente, até onde a natureza de nossas mentes o permitirem. A função da ciência é discernir as relações entre realidades , isto é, entre grandezas que podemos mostrar e medir... Não é sair em busca de forças que não podemos medir, atuando sobre átomos que não podemos ver."
Contudo, em conseqüência do trabalho de Einstein e Perrin, o líder dos energetistas curvou-se ante a evidência experimental, reconhecendo, finalmente, a existência dos átomos. "Estou agora convencido", disse Ostwald, "de que entramos, recentemente, na posse de evidências experimentais da natureza descontínua ou granulosa da matéria, perseguidas em vão, durante centenas e milhares de anos, pela hipótese atômica. [Experiências como as e Perrin] permitem que os mais cautelosos cientistas possam agora referir-se a uma prova experimental da natureza atômica da matéria. A hipótese atômica foi, assim, elevada à categoria de uma teoria cientificamente fundamentada."
Mais recentemente, em 1957, Hans Reichenbach, o filósofo da ciência, assim resumiu a opinião moderna acerca da hipótese atômica: "A característica atômica da matéria está entre os fatos mais certos do nosso conhecimento atual... podemos falar da existência dos átomos com a mesma certeza com que falamos da existência das estrelas." O átomo, como entidade, é uma realidade que deu certo. Ninguém hoje duvida da real existência dessas partículas.

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