terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Mas se o tempo é esta folha
que gira com o vento, e o vento sepulta no seu vórtice,
que fazer de cada instante? Apanhá-lo com as mãos desocupadas,
onde o vazio se inscreve num último assomo de nada,
e trabalhá-lo com a minúcia do oleiro, vendo a espiral
do fogo e da água envolvê-lo com a sua frágil densidade; ou
deixá-lo voar, e ver apenas o que desaparece de uma vida
para nunca mais? Sobretudo, não sentir essa vertigem
que se apodera da alma perante o efémero - e atravessar
o átrio da noite onde as corujas ocupam
as colunas quebradas, afugentando-as
com a luz dos faróis. É este o início da viagem, penso,
como se não fosse também o fim; embora,
nesse ramo de onde caiu a folha, uma outra
desponte - iluminando, com a brevidade
da sua reverberação, a face de um deus que espreita
por entre as nuvens. Há muito que esse deus
se confundiu com a forma das tempestades, e
a sua imprecação segue o arabesco do relâmpago,
na poeira imperceptível do horizonte. Roubei
o seu perfil num tumulto de azuis, e colei-o
neste herbário de sentimentos gastos
como as plantas que o outono pisou. E rezo-lhe
uma litania de silêncios onde os versículos pousam
como os flocos da primeira neve. Que esperas ainda?,
digo-lhe. E o rosto divino apaga-se contra o vidro
da memória, humedecendo-o com o bafo
da eternidade.
Nuno Júdice
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