quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Os Cães

Eram loucos. Alguns deles eram loucos,
parados uma tarde inteira ao pé
do arame, esquecidos, sobre o pó,
gemendo lentamente, sei
de fonte segura que eram loucos,
alguns brutíssimos, rodam
um dia inteiro, rodam sobre si
próprios incansáveis, e ladram,
ou gemiam apenas, lentamente
como um sopro de vento
quando dá no capim, ou sobre
o pó gemem esquecidos, deitados,
furiosos, ladram, loucos
uma noite inteira, brutíssimos,
coçando-me incansável nas
pontas do arame, e logo ladro,
gemem, «está um trapo», uma merda,
a merda destes cães deitados
porque em pé, percebes, eu já
não (aguento) e fiz o possível,
fizeram o possível por apenas
gemer somente, cães que somos
dez, vinte, chama-me «Niassa»,
ou «Tejo», vinha deitar-se aqui,
e principalmente rodam, rodam sempre,
vou rodando à velocidade
incrível da bala. Eram loucos.

Fernando Assis Pacheco (1937-1995)
A Musa Irregular

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