Cumulo-Stratus
é a configuração que acaba de ser descrita, quando as duas formações nebulosas do já referido stratus e do cumulus que se segue ainda estão juntas, sem que se verifique qualquer separação entre elas.
Johann Wolfgang Goethe (1749-1832)
O Jogo das Nuvens
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
terça-feira, 30 de agosto de 2016
A dialéctica: Platão defendia que uma só opinião e uma crítica a respeito da mesma compunham o pensar filosófico.
(daqui)
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
I
Na primeira versão
o desenho exprimia
tersa arremetida
do homem contra o tronco
no sofá onde o couro
mutava sua escama.
Imprevista
metamorfose
a lepra eclodia
no espaldar,
o encosto dos braços
esculpia sulcos
por entre linfa ocre.
A segunda versão
erigia a figura
num dólmen de xisto.
Um véu
lacrava-a em torno
do casulo,
a larva oculta
por biombos de cuspo.
Potente acumular
de vestes
calafetava fugas
vazando as alforrias
num molde
onde petrificavam.
Gravuras semelhantes,
enigmas de Elêusis
celebravam em Pompeia
o solstício de Verão.
fátima maldonado
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990
Uma certa dignidade
difícil. Não de atitude
ou gesto a premiar
nem de intuito cego
sem regras por que a ter
De nossos olhos
uma palheta irisa a fenda
que há nos céus sujos
da terra. Olhamos um ovo
um qualquer princípio de vida
assim hermético
em que mesmo a luz resvala
e só a imaginação, a melhor
compromete. Uma dignidade
de que ninguém nos fale alto.
Pressaga.
Sebastião Alba, A Noite Dividida (1996)
Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender –
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada!
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda esta viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz…
Não digas nada.
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender –
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada!
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda esta viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz…
Não digas nada.
Fernando Pessoa.
Poesias Inéditas (1930-1935).
Aspirinas
vou ao banheiro
me sinto estranha
verifico minhas veias minhas varrições
me sinto envergonhada
abro a torneira
meto um copo pelo aguaceiro
tomo três aspirinas
sou a mulher do filme sueco
pois que ninguém repete esse gesto no brasil
estou lá
com aspirinas pelo encanamento central
não importa a cor do banheiro
tudo é de um sempre azul esverdeado
não importa a hora
tudo é de um sempre vazio ecoando gentes
imagens para fora do evento banheiro
auto estrada sul gambás com asas
ratoeiras e cachimbo no andar de cima
gentes
me sinto acabrunhada ainda
assim a mania é lustrar o ponto pisado
com a meia cheia de patinhos
com a meia cheia de nada
nunca o par correto e me sinto atarantada
toda a janela do banheiro
toda a cortina com argolas
todas
os raios de todas as setas do ralo
os raios todo raio que vai dar em gentes
o banheiro é matemático demais para
uma idiota mal escovada
estou sonhando
resmungo estou sonhando
quero acordar que nem criança mijada
envergonhada
não estou sonhando
minhas veias estão em acordo
com o tom da nota no jornal
FUNCIONÁRIA DE LANCHONETE FAMOSA
ESFREGA O PÊNIS NO GERGELIM
E URINA NA FRITADEIRA APÓS O COMA
DE 41 ANOS
sou a sueca das aspirinas
resmungo estar meditando
é isso
resmungo estar meditando gentes
pilhas de gentes no cesto de roupas sujas
§
Canja
em expansão
o ódio o amor
ainda que nada nada
em água em expansão
um banheiro em pleno ódio
onde jaze teu rosto quando
fundo aqui um amor cheio de ódio
o banheiro no ódio
você na banca de jornais
eu a ronronar alhos curry no banheiro
ódio e preces
um banheiro para o ódio que
o ódio que se come cru
abrir um banheiro para o ódio
ao ódio tudo porque o ódio
busca toda a satisfação o gosto de tudo
você na banca de jornais
eu na briga onde espero por ti
temperos gosto receitas
um deus faria o mesmo eu sei
pois deus faria o mesmo e fez
você na banca de revistas com ornatos para interiores
um banheiro todo para o ódio que te espera
há anos
há gerações
afio os punhos empunho a faca
como cortar um ovo meu deus do céu dos interiores
enquanto o jornaleiro faz lucro faço banheiro
quem nunca
jesus maria e josé
esfaqueou uma galinha
morta na pia borrada de creme dental
não sabe o que é o ódio de um amor tão macio
suculento
quem nunca meteu alhos pelos furos na bendita
quem nunca escorregou junto do choro da baba
quem nunca se machucou num tanto amor
quem nunca morreu no banheiro cravado no ódio da espera
amor
quem nunca leu nesses olhos a manchete ordinária
quem nunca amolou um garfo nos dentes do todo ódio
tamanho banheiro em pleno ódio
preces
um banheiro na cozinha em pleno ódio amor
em expansão
se esse banheiro fosse um cofre
se todo meu ódio fosse esse ladrão
.
.
vou ao banheiro
me sinto estranha
verifico minhas veias minhas varrições
me sinto envergonhada
abro a torneira
meto um copo pelo aguaceiro
tomo três aspirinas
sou a mulher do filme sueco
pois que ninguém repete esse gesto no brasil
estou lá
com aspirinas pelo encanamento central
não importa a cor do banheiro
tudo é de um sempre azul esverdeado
não importa a hora
tudo é de um sempre vazio ecoando gentes
imagens para fora do evento banheiro
auto estrada sul gambás com asas
ratoeiras e cachimbo no andar de cima
gentes
me sinto acabrunhada ainda
assim a mania é lustrar o ponto pisado
com a meia cheia de patinhos
com a meia cheia de nada
nunca o par correto e me sinto atarantada
toda a janela do banheiro
toda a cortina com argolas
todas
os raios de todas as setas do ralo
os raios todo raio que vai dar em gentes
o banheiro é matemático demais para
uma idiota mal escovada
estou sonhando
resmungo estou sonhando
quero acordar que nem criança mijada
envergonhada
não estou sonhando
minhas veias estão em acordo
com o tom da nota no jornal
FUNCIONÁRIA DE LANCHONETE FAMOSA
ESFREGA O PÊNIS NO GERGELIM
E URINA NA FRITADEIRA APÓS O COMA
DE 41 ANOS
sou a sueca das aspirinas
resmungo estar meditando
é isso
resmungo estar meditando gentes
pilhas de gentes no cesto de roupas sujas
§
Canja
em expansão
o ódio o amor
ainda que nada nada
em água em expansão
um banheiro em pleno ódio
onde jaze teu rosto quando
fundo aqui um amor cheio de ódio
o banheiro no ódio
você na banca de jornais
eu a ronronar alhos curry no banheiro
ódio e preces
um banheiro para o ódio que
o ódio que se come cru
abrir um banheiro para o ódio
ao ódio tudo porque o ódio
busca toda a satisfação o gosto de tudo
você na banca de jornais
eu na briga onde espero por ti
temperos gosto receitas
um deus faria o mesmo eu sei
pois deus faria o mesmo e fez
você na banca de revistas com ornatos para interiores
um banheiro todo para o ódio que te espera
há anos
há gerações
afio os punhos empunho a faca
como cortar um ovo meu deus do céu dos interiores
enquanto o jornaleiro faz lucro faço banheiro
quem nunca
jesus maria e josé
esfaqueou uma galinha
morta na pia borrada de creme dental
não sabe o que é o ódio de um amor tão macio
suculento
quem nunca meteu alhos pelos furos na bendita
quem nunca escorregou junto do choro da baba
quem nunca se machucou num tanto amor
quem nunca morreu no banheiro cravado no ódio da espera
amor
quem nunca leu nesses olhos a manchete ordinária
quem nunca amolou um garfo nos dentes do todo ódio
tamanho banheiro em pleno ódio
preces
um banheiro na cozinha em pleno ódio amor
em expansão
se esse banheiro fosse um cofre
se todo meu ódio fosse esse ladrão
§
sobre a autora
Carla Diacov é uma poeta brasileira nascida em São Bernardo do Campo em 1975. É formada em Teatro e possui poemas publicados em diversas revistas no Brasil e em Portugal. Amanhã alguém morre no samba, seu livro de estreia, foi publicado em Portugal, em 2015, pela Douda Correria. Ainda esse ano lançará Ninguém vai dizer que eu não dissepela mesma editora.
.
POEMAS DE JOSOALDO LIMA RÊGO
Jauára Ichê
O mundo não acaba em tuas mãos
A borda da dobra é frouxa
Da Anatólia vês o Piauí
Do Pantanal, a Antuérpia
§
Nos Baixões de Altamira
em altamira/pa
raimundo nonato decide
matar o tempo:
dança no escuro
e arranca 4 dentes à foice
sem paz
ao som duma turbine
de hidroelétrica
§
Mar
A densidade da floresta
desaparece no mar
É o que pode desidratar sonhos
A salvação por distâncias
§
Nômade
cabeça aberta
exposta na rua
quando a língua abre
o osso quando é de sal
a casa
§
Inversões
1
chove
e é apenas a pior
solução
depois é seco – quase
igual ao mar
quando nasce
2
tentou a imagem
da cabeça plana
não reconheceu
a terra – a gravidade
da forma
3
procurar o chão
à maneira das pedras
4
o canto da boca semiaberta
diz conhecer o mundo
quase grego, circular
sobreposto ao ocidente
diz península maré ilha
ou
o horizonte fede muito
5
é o modo como a guerra acaba
“legítima”
cantada por aedos
ou exposta na tv
6
a fluidez da vida
no sopé do muro
exposta
ou inventada
numa fotografia aérea
[mesmo antes
de qualquer navegador
genovês]
o golpe é sempre o centro
da forma
do tempo pensado
e desilusão
7
conviver com o terror,
repetir o terror. dois gritos
do fausto alemão berlinense
delirante com falta de ar. Um
naturalista não delira à toa
a paisagem ideal é
ígnea
8
esvaziar o circo
cuidar dos negócios
9
O risco, a lama
Alguns ícones
nascem do chão
(de Carcaça)
§
Felizes juntos
mais tarde sorriremos de tudo
quando a história for contada por um estranho
que sonha estar num matadouro
a sussurrar as últimas palavras no ouvido da vítima:
felizes juntos
§
Iñárritu
As coisas podem soar mais violentas
quando nascemos latino-americanos
Sobressaem com o tempo: o dente chicano
e uma fronteira terrível perto do olho
Um corpo desterrado
(de Máquina de filmar)
§
Chinelos caídos
Esquálida, olhos voltados para o corpo.
Vontade social para certos temas.
Ela trepava por compromisso político:
Aleijados, deprimidos e desempregados.
Talvez acreditasse na transformação do mundo.
O gozo, a estátua no canto do quarto:
– daqui por diante, nunca mais a fantasia
de que impossíveis gestos podem ser
a magia necessária para estações dégradés.
§
Açúcar
livrei-me do perigo
nasci no maranhão na era das migrações
e escapei impune dos canaviais de são paulo
escapei do corte da cana mais dura
(de potência da sacarose da cana
tratada em laboratório)
por descuido não peguei o trem fantasma
na belém-brasília
não enfiaram-me num albergue de beira de Estrada
pago pelo gato da fazenda
envelheci sem conhecer aquela prostituta
paranaense
fodida por dez reais
pagos pelo gato da fazenda
agora deixo escorrer como memória
do que poderia ter sido
a cachaça em copo sujo
na dívida antes do trabalho
o trabalho manual nos canaviais
donde escapei como quem escapa
do perigo
sem explicação
por quem choram as casuarinas
Quando o poeta Bandeira Tribuzi morreu,
seu amigo, ex-presidente da República,
dedicou-lhe um artigo de jornal
Deparei-me com o artigo
anos antes de ser escrito
numa antologia de poemas
Quando o cineasta Glauber Rocha morreu,
seu amigo, ex-governador do Maranhão,
dedicou-lhe uma homenagem
Vi a morte de Glauber antes
num poema de Gullar
– mesmo antes de nascer o poema
pois Gullar estava à espera
daquele ônibus Rio Comprido-Leblon
Nos dias que antecederam a possível visita
de D. Pedro II aos gordurosos de Alcântara
muitos doces e licores foram preparados
Estavam todos lá, os frescos licores
os doces em compotas. Experimentei
na cozinha, nos porões de um casarão
tempos depois. Foi quando soube
que o Imperador não andaria
sobre aquelas ruas retilíneas
Tudo está escrito impunemente
No Maranhão, no Brasil, na América do Sul
Talvez por falta de um bom roteiro
ou de uma antologia que faça chorar as casuarinas
resta, de tudo, a imagem de loucos e doentes
com seus guarda-chuvas
nas escadarias da Igreja do Carmo
§
Boudelairevasé
Teus eixos espaciais
talvez sejam Cabos da Boa-Esperança.
As noites um único detalhe,
como descrição da nossa estirpe de origem.
A cidade, a viagem,
temas poéticos
encontrados na Ilha da Reunião.
Tormenta é apenas volume
do rádio trivial de sintonia Negra.
§
Ecologia íntima
Planta tua cara verde musgo
Enfia o corpo num buraco
Deixa nascer galhos pousar pássaros
Os braços como duas grandes folhas
As pernas bebendo água
Cabeça solta olhos fixos
Cu pra não caber uma palavra
Planta tuas raízes rasas no calcário
(de Paisagens possíveis)
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