segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Aspirinas

vou ao banheiro
me sinto estranha
verifico minhas veias minhas varrições
me sinto envergonhada
abro a torneira
meto um copo pelo aguaceiro
tomo três aspirinas
sou a mulher do filme sueco
pois que ninguém repete esse gesto no brasil
estou lá
com aspirinas pelo encanamento central
não importa a cor do banheiro
tudo é de um sempre azul esverdeado
não importa a hora
tudo é de um sempre vazio ecoando gentes
imagens para fora do evento banheiro
auto estrada sul gambás com asas
ratoeiras e cachimbo no andar de cima
gentes
me sinto acabrunhada ainda
assim a mania é lustrar o ponto pisado
com a meia cheia de patinhos
com a meia cheia de nada
nunca o par correto e me sinto atarantada
toda a janela do banheiro
toda a cortina com argolas
todas
os raios de todas as setas do ralo
os raios todo raio que vai dar em gentes
o banheiro é matemático demais para
uma idiota mal escovada
estou sonhando
resmungo estou sonhando
quero acordar que nem criança mijada
envergonhada
não estou sonhando
minhas veias estão em acordo
com o tom da nota no jornal
FUNCIONÁRIA DE LANCHONETE FAMOSA
ESFREGA O PÊNIS NO GERGELIM
E URINA NA FRITADEIRA APÓS O COMA
DE 41 ANOS
sou a sueca das aspirinas
resmungo estar meditando
é isso
resmungo estar meditando gentes
pilhas de gentes no cesto de roupas sujas

§

Canja

em expansão
o ódio o amor
ainda que nada nada
em água em expansão
um banheiro em pleno ódio
onde jaze teu rosto quando
fundo aqui um amor cheio de ódio
o banheiro no ódio
você na banca de jornais
eu a ronronar alhos curry no banheiro
ódio e preces
um banheiro para o ódio que
o ódio que se come cru
abrir um banheiro para o ódio
ao ódio tudo porque o ódio
busca toda a satisfação o gosto de tudo
você na banca de jornais
eu na briga onde espero por ti
temperos gosto receitas
um deus faria o mesmo eu sei
pois deus faria o mesmo e fez
você na banca de revistas com ornatos para interiores
um banheiro todo para o ódio que te espera
há anos
há gerações
afio os punhos empunho a faca
como cortar um ovo meu deus do céu dos interiores
enquanto o jornaleiro faz lucro faço banheiro
quem nunca
jesus maria e josé
esfaqueou uma galinha
morta na pia borrada de creme dental
não sabe o que é o ódio de um amor tão macio
suculento
quem nunca meteu alhos pelos furos na bendita
quem nunca escorregou junto do choro da baba
quem nunca se machucou num tanto amor
quem nunca morreu no banheiro cravado no ódio da espera
amor
quem nunca leu nesses olhos a manchete ordinária
quem nunca amolou um garfo nos dentes do todo ódio
tamanho banheiro em pleno ódio
preces
um banheiro na cozinha em pleno ódio amor
em expansão
se esse banheiro fosse um cofre
se todo meu ódio fosse esse ladrão

§ 

sobre a autora 

Carla Diacov é uma poeta brasileira nascida em São Bernardo do Campo em 1975. É formada em Teatro e possui poemas publicados em diversas revistas no Brasil e em Portugal. Amanhã alguém morre no samba, seu livro de estreia, foi publicado em Portugal, em 2015, pela Douda Correria. Ainda esse ano lançará Ninguém vai dizer que eu não dissepela mesma editora. 




.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário