sexta-feira, 23 de junho de 2017

A MINHA TIA


Ficou em coma durante vários meses.
Falar com ela era falar com deus,
sem ficar à espera de resposta,
a acreditar que estava a ouvir.

Quando acordou, desfez-se
em palavras longínquas
que mal tocavam
na pele presente;

só mesmo numas partes
difusas, onde os peixes
não se distinguem da água
nem os mortos dos vivos.

Elogiei-lhe o quarto, na clínica.
Espaçoso, com uma bela vista.
Respondeu: — Se olhares pela janela,
podes ver a tua avó vestida de árvore.

Olhei. E era verdade.
O mar ia batendo o tempo.
Um renque de pinheiros
destacava-se do céu.


TâmarasDouda Correria, Lisboa, 2016.


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