Não te deixes distrair pelo tumulto dos homens, pela sua busca insatisfeita e desordenada. Eles são como o animal preso na cerca, que anda às voltas sem compreender e procura uma saída que não existe.
Aprende a permanecer livre. Não sejas prisioneiro de ideias feitas, pois estas só trazem desastres e confusão. Não te obstines na escuridão, pede à terra viva a sabedoria e a força.
Houve um tempo em que a Natureza fortalecia e instruía o homem, curando as suas feridas, e lhe dava a força para viver. O homem sentia-se pleno de compaixão e de amor maternal pela terra. Sabia que o coração do homem afastado da natureza seca e acaba por se tornar duro. Esse tempo não desapareceu. Está dentro de ti, é indestrutível. Basta modificar o teu olhar sobre as coisas, fazer calar o tumulto do mundo e recuperar a palavra do coração.
Tu não estás separado dos outros, encerrado numa solidão mortal, com angústias e doenças que só a ti te pertencem. Volta-te para os outros, aprende a olhar de outro modo o mundo que te rodeia. Experimenta pensamento harmoniosos por todas as formas de vida se desejares recuperar a alegria, pois és o irmão e a irmã de todas as criaturas.
Os índios que vivem perto da Natureza e do mestre da natureza não vivem nas trevas. Sabes que as árvores falam? Falam entre si e falam contigo se souberes ouvi-las.
O homem e a natureza pertencem ao mesmo circulo de transformações e recomeços. Um é o reflexo do outro. Quer seja animal, vegetal ou mineral, trata-se do mesmo mundo, do mesmo corpo vivo, infinito e eterno.
Tudo passa, as horas, as nuvens do céu, a vida dos homens, levadas do nascimento até à morte. Não te prendes à cronologia afectiva das coisas. É uma maneira muito má de ver o mundo. Faz de cada segundo uma experiência enriquecedora, sem te inquietares com o tempo que foge e os dias que já não regressam. O presente é a única coisa que não tem fim.
Antigamente a floresta imensa cobria tudo como um único espírito. Depois veio o tempo em que os homens dividiram o espírito e o despedaçaram como a um animal de caça, quebrando a harmonia da natureza. Foi assim que deixaram entrar a dor no mundo.
Quando se desce muito fundo no interior de si próprio, desemboca-se inevitavelmente na imensidão do mundo. Pode-se facilmente tomar o lugar de uma árvore, de uma montanha, de uma folhagem que respira, tornar-se o voo do pássaro ou o perfume de uma flor. Tens em ti o poder de experimentar as possibilidades espantosas da natureza, pela experiência interior que nos leva ao centro de todas as coisas.
Não consideres a natureza apenas como um quadro no qual te podes expandir, curar as doenças da alma e do corpo. A natureza não é exterior ao teu espírito, não se trata de um mundo diferente, afastado, difícil de compreender. Apesar das aparências, só tens um espírito.
Sê tu próprio, aprende pelos teus actos a criar emoções, sensações e cores, tal como o pintor, como o criador do universo. É dentro de ti que se situa o lugar do maior amor. Não há outro lugar para amar.
Aprende a comunicar com as outras formas de vida - a árvore, o rio, o animal. São as outras formas de ti próprio.
A alegria e o desgosto, o prazer e a tristeza, habitam-nos alternadamente, tal como o dia e a noite, a vida e a morte. Se desejares progredir espiritualmente, considera-as como as duas margens do rio que corre no mesmo sentido.
Não serve de nada fugir de ti próprio, escolhendo a vida desordenada e ruidosa do mundo moderno. A tua dor procura-te, tal como o lobo persegue a presa. Espera-a firmemente, no centro de ti mesmo, rodeia-te de pensamento luminosos, diverte-te com o mundo como a criança, e a dor desfazer-se-á imediatamente como a neve ao sol.
Nunca cessaremos de explorar o universo, tanto dentro como fora de nós. O fim de todas as nossas explorações consistirá em retornar ao ponto de partida e descobri-lo pela primeira vez.
Com os olhos fechados, acha o céu dentro de ti mesmo, e deixa os pensamentos tornarem-se pássaros. Não tentes agarrá-los, como o fazes habitualmente. Deixa-os flutuar, voar e rodopiar sem intenção, sem significado particular. Já não são portadores de um drama, de uma obsessão ou de uma reflexão que os torna pesados, penosos. Giram dentro de ti, leves como o fumo do ouro, felizes por estarem no mundo.
Aprende o desapego, se quiseres vencer-te a ti próprio. Abre todas as manhãs a tua janela, enche-te de luz e afirma com um sentimento de alegria profunda: "Hoje é um belo dia para morrer.".
Observando-te a ti mesmo, acabas por esclarecer as tuas próprias contradições. Os reflexos de defesa desaparecem, e podes aproximar-te dos outros com a tua vulnerabilidade, a tua fragilidade e a tua força, como o dançarino do sol, só com a chama do teu amor.
Quando os guerreiros retornam de uma batalha, ocultam o seu poder dentro de si próprios, recuam-no como se faz ás asas. Largam as suas armas. Aprende a destacar-te dos teus próprios actos. Age livremente, depois torna a ti mesmo de mãos vazias, e ser-te-á concedida a paz.
O teu próprio espírito não está preso, acorrentado dentro de ti mesmo. Sem que tu saibas, comunica com a natureza subtil dos seres e das coisas. Desloca-se a grandes distancias, fala nos teus sonhos, envia-te sinais que não sabes traduzir. Aprende a ler no teu espírito, e o Grande Espírito do universo responder-te-á.
As tuas paixões lançam-se como voos de dardo, em todas as direcções, e acabam por se perder. Retém-nas e reúne-as numa mesma força, num mesmo espírito, numa mesma vontade, se quiseres que se tornem um poder.
Não te desvies dos obstáculos, não tentes fugir das dificuldades. Quando encontra um rochedo no seu caminho, o rio nunca volta para trás. Contorna-o deslizando, brinca com ele como um curandeiro que murmura e encanta a ferida, ou então salta no meio de um feixe de luz. Aprende a dançar com o obstáculo se quiseres progredir.
As decisões do homem, as suas opções e os seus actos comprometem o universo inteiro. Nada está separado, como mostram os desenhos dos tapetes kiowas onde o universo aparece sob a forma de ritmos, de energias, de ressonâncias. Tu pertences à trama infinita em que tudo comunica. Não tomes nenhuma decisão sem teres antes descido muito fundo dentro de ti próprio.
Por vezes o homem está à beira do abismo, paralisado pelo medo, incapaz de agir, de avançar. Não sabe que a proximidade desse abismo lhe pode permitir uma importante metamorfose. Recuperar as asas do espírito, abandonar-se com toda a confiança e lançar-se no vazio. A proximidade do abismo lembra ao homem que possui o poder de voar.
O sábio é como uma criança que ficasse nas alturas de uma montanha e se divertisse a brincar com o sol e as tempestades. São-lhe concedidos todos os poderes. Ele inventa uma nova linguagem, dialoga com o vento, cria novos universos, fala com os sonhos, imita o voo de um pássaro ou o andar burlesco de um urso. Troça das suas próprias angústias. Observa as suas emoções e sensações como se observam as flores de um jardim. Habita uma nuvem dourada onde a morte não penetra.
Não voltes a pensar no mundo com o cérebro mas sim com o coração. Liberta-te do que te prende ao peso. Torna-te livre e ligeiro.
Os estados de cólera são flechas aguçadas que saltam das mãos e surpreendem o atirador. O guerreiro que possui o arco da sabedoria atira flechas voluntárias, perfeitamente pensadas, sem se abandonar à agitação, à desordem que nasce do medo. Transforma os estado de cólera em canto de vitória sobre ti próprio.
O importante é estarmos conscientes de nós próprios, das nossas relações com as coisas, com as pessoas e as ideias. É não sermos os patetas do jogo e aprofundarmos as nossas relações e a nossa percepção do mundo. Só depois é que começa o real.
Tudo o que imaginares em espírito realizar-se-á se não tirares a luz ao coração.
Curar o outro não é difícil. Basta amá-lo, fazer dele o ser mais importante do mundo, e abandonar-nos totalmente a ele renunciando a nós próprios.
Hoje temos medo de viver e medo de morrer, porque nunca vivemos o imediato. A reflexão afasta-nos do centro de nós mesmos e arrasta-nos para mundos ameaçadores e desesperantes. O espírito diverte-se a criar o medo, como um actor disfarçado de fantasma, e nós trememos quando ele aparece. Aprende a ver por detrás das máscaras.
Não julgues, não decidas o que é o bem ou o mal sem teres consultado o teu próprio coração.
A violência dos sentimentos impede o espirito de falar com o espirito. O homem transforma-se num demónio para o homem, ao mesmo tempo caçador, vitima e predador. É a presa e a garra da águia, prisioneiro da culpa e do remorso. Não te deixes devorar pelas tuas próprias emoções, mantém-nas à distância e considera-as como jogos de sombras. No centro de si mesmo, é o homem quem comanda o jogo.
Não esperes nada dos outros se tu próprio ainda não deste nada. Segue o exemplo da terra sagrada que dá sempre, que se renova continuamente, que faz renascer e nunca fica com nada.
Aceita a confrontação como sendo uma prova agradável, um ligeiro obstáculo a vencer. Vira-a para ti mesmo, como se fosse um espelho, e nela aprende a desvendar as tuas fraquezas e os teus próprios erros. Tornar-se-á uma dança alegre, e os outros aproximar-se-ão de ti, de mãos estendidas e com o espírito irradiando uma suave luz.
Sempre que deres guarida ao teu irmão, dás guarida à parte misteriosa de ti mesmo, que está no outro. O mesmo acontece com ele, e é então que a amizade se torna comunhão.
O espírito no interior do homem nunca procura o conflito, a violência, a oposição. Ele não declara guerra a si próprio. Permanece para além dos problemas do homem, numa inocência sempre nova, numa luz de aurora.
Nunca permaneças demasiado tempo dentro de ti mesmo. Tu precisas do outro para poderes afirmar a tua fé na vida, comunicar o amor, agir no mundo dos homens. Estais todos no mesmo caminho, à procura do mesmo sol. Reconhece no outro, seja ele quem for, um irmão de aventuras, perdido, e que procura a luz.
O corpo doente é a consequência de uma alma enfraquecida, que duvidas de si própria, atravessada por pensamentos nefastos. O homem-espírito combate a doença com pensamentos de luz.
Porque é que o homem está mais vezes doente que o pássaro, o bisonte ou o puma das montanhas? Porque ele quebrou o pacto harmonioso das forças introduzindo maus pensamentos no seu espírito, a uma profundidade muitas vezes difícil de atingir. Ele precisa de toda a ciência do xamã-curandeiro para mergulhar dentro de si mesmo e curar a alma doente.
A alma desespiritualizada é como o animal cego, privado de orientação, que vai de encontro a todos os obstáculos. Os espíritos de dor têm-na em seu poder como a garra da águia. Os que são fracos, doentes ou foram feridos, perderam os seus aliados. Já não os protege o espírito-guardião, que se afastou deles como a estrela cadente. Para ajudar quem sofre, tens de achar o seu aliado e conduzi-lo de volta para dentro do corpo.
Fica sabendo que nunca se transmite o poder directamente a uma pessoa doente mas sim ao seu espírito-guardião.
Não temas a morte, nem a sua aparência aterradora, definitiva, consequência do terror do homem e da sua ansiedade perante o mistério da desaparição. Os sábios alcançaram estas outras paisagens, por detrás do jogo das aparências. Mergulharam no interior do Rio. Sabem que não há morte mas transformação de mundo.
A ave para se curar oferece-se aos raios do sol, procura a luz, o poder que dá e que renova a vida. Não busques refúgio nas trevas como se quisesses morrer. Expõe-te ao fogo do espírito, que reforçará a tua alma, reanimará a tua vitalidade perdida. O misterioso espírito que está dentro de ti é capaz de muitos prodígios. Tem o poder de trazer a Primavera para o meio do Inverno; é ele que governa as estações da alma.
Para morrer, o guerreiro veste as suas roupas de guerra, chama a si os aliados, os seus espíritos protectores, e a seguir pôe-se a dançar à luz do sol. a morte torna-se uma festa, uma celebração, o canto de vitória do regresso.
A morte não abandona o ciclo da grande Natureza. Deves considerá-la como um eterno retorno.
O centro do homem que medita é também o do universo, o seu principio e fim, o lugar onde tudo recomeça.
A imobilidade do espírito contemplando-se a si mesmo só é possível quando o cérebro descansa, calmo como um lago na primavera. Então, nada mais embaraça a visão, e o universo inteiro reflecte-se nele com o mesmo encantamento e a mesma alegria singela.
Aproveita os momentos de silêncio para te ouvires a ti mesmo, para procurares a nascente profunda, por detrás dos pensamentos inúteis e do obstáculo das palavras.
Evita as concepções e julgamentos assentes na mentalidade humana; não levam em conta os múltiplos aspectos da natureza e os sonhos dos homens. Não traduzem a amplitude real das sensações e das percepções.
No teu espírito residem todos os poderes, como os diamantes numa mina. Só tens que descer lá ao fundo, munido da lâmpada da sabedoria.
Procura a intensidade do contacto com a Natureza até à vertigem se quiseres comunicar com o espírito que se oculta por detrás de todas as coisas.
Tudo o que faz um índio, fá-lo dentro de um círculo. Nos tempos antigos, quando éramos um povo feliz e forte, o nosso poder vinha-nos do círculo sagrado da nação, e enquanto não foi quebrado, o nosso povo foi sempre próspero. Este conhecimento provém-nos do mundo do além, com a nossa religião.
Refugia-te dentro de ti se quiseres ajudar os outros. Todas as forças vivas do universo se cruzam no coração do homem.
A mais alta sabedoria é sempre a do coração. Diante dele, o universo torna-se ao mesmo tempo humilde e protector, e as estrelas põem-se a rezar.
Quem medita ultrapassa os limites da sua memória. Torna-se consciente de si mesmo e do mundo na sua totalidade.
Tudo passa. Os bisontes não voltarão, as cidades dos homens já ocupam agora as pradarias e montanhas. O que resta ao homem livre? O território do seu espírito, imenso, que ninguém poderá alguma vez invadir. Volta a ser o homem livre, torna-te o guerreiro de ti próprio, como eram outrora os nossos antepassados Sioux na época das grandes caçadas.
Durante a meditação o corpo transforma-se no sonho do espírito.
Suprime em ti o ódio e o medo que impedem de se avançar para si próprio e para os outros.
Desce ao fundo de ti e descobrirás sóis esquecidos pelos homens, que todavia nunca deixaram de brilhar. Arranca as cortinas da sombra, contempla o universo na sua infinita sabedoria.
Em todos os teus actos, ganha consciência do instante presente, esquece o peso do passado e o temor do futuro. Evita as questões, as hesitações, as incertezas. Se tens o desejo de ser feliz, não te afastes de ti mesmo, sempre de acordo com o mundo que te rodeia, numa comunhão amorosa e fervorosa do Instante, sem perder lucidez.
Na meditação, o pensamento cala-se para deixar falar o amor. Ele não exige, não julga, não comanda, mas contenta-se em amar, leve como a água que dança ao sol. Ele vê o mundo com olhos de luz.
A acção longamente meditada age de perfeito acordo com o espírito. Ela deixa de participar na confusão do mundo e no seu sofrimento, porque o coração do homem a acompanha tal como a luz acompanha a flecha lançada pelo arco.
Os territórios interiores estão semeados de emboscadas e de armadilhas. São as manias, os maus hábitos, as feridas da alma, nunca curadas. Desce ao fundo de ti, munido da tocha do espírito. Ganha consciência da maravilhosa aventura que te é oferecida: Não houve outros viajantes antes de ti.
Mergulha dentro de ti mesmo e transforma-te no teu próprio curandeiro.
O homem fraco acusa os outros, culpa-os das suas desgraças, mas os seus olhos procuram socorro, por uma ajuda caridosa. Aprende a amar a criança no homem. Ela é a sua salvaguarda, a sua grande luz, uma recordação da antiga felicidade. É com ela que o homem pode recomeçar a viver.
A bondade é uma fonte miraculosa que corre nas veias do homem sábio. Torna-o frágil e transparente, capaz de receber a luz e de reflecti-la. É o espelho sensível, ao mesmo tempo fonte e reflexo.
A bondade desarma o homem violento. Imobiliza-o na sua luz, toca-lhe o coração e fá-lo tornar a ser criança.
A maior parte dos homens temem a bondade, tal como as aves nocturnas receiam uma luz demasiado forte. Precisam da penumbra para se disfarçar, de pôr máscaras e mentir a si próprios. A bondade incomoda-os porque lhes parece uma coisa pouquíssimo humana, mais próxima do anjo que do homem. Lembra-te que a bondade não é uma fraqueza da alma, nem um choramingar no ombro do teu irmão. Tens de compreender o poder da bondade, o seu poder infinito. Quando aparece, a bondade arranca as máscaras e desnuda os corações. O guerreiro que possui o arco da sabedoria utiliza-o como uma flecha de fogo.
Não dês qualquer importância às criticas e aos julgamentos dos outros, porque só traduzem o seu sofrimento, a sua inquietação, as suas hesitações, por detrás de atitudes violentas, e da falsa afirmação de si. Fala-lhes na linguagem dos sonhos, na das emoções simples que perderam, se quiseres aproximar-te deles.
Aprende a combater os teus maus pensamentos, os remorsos, as ideias tristes que envenenam os espírito. Não os leves a sério. A sua fase de trevas não passe de um jogo infeliz, pois a sombra só existe quando se está de costas viradas para o sol. Age como um chefe de guerra. Contorna-os e sê o espelho que lhes reflectirá a luz; então as vestes de tristeza tombarão como peles mortas.
Não deixes que os maus pensamentos paralisem o teu espírito. Ensina-os a dançar.
Desperta em ti a doçura da alma, os sonhos de amor, as brincadeiras de infância. Os guerreiros Cheyennes brincavam com os seus filhos antes de partirem para a guerra. Tinham necessidade de um protecção poderosa, sobrenatural.
Não utilizes o teu corpo como um instrumento de prazer...a não ser que dês a esse prazer as asas do espírito.
Aprende a alegria observando os teus pensamentos e os teus desejos. Brinca com eles como se fossem figuras mágicas dotadas de um espírito, autónomas e livres. Observa o mundo dançar dentro de ti. Só então poderás entoar o teu canto de vitória.
Dá aquilo que gostarias de receber e o Espírito da Natureza encher-te-á de oferendas, em cada dia da tua vida.
A alegria espiritual não se racionaliza. Estende-se para lá de nós próprios como a água do rio que transborda. O homem não decide. A alegria de amar pousa muito simplesmente sobre ele como a ave se empoleira no alto de um rochedo a pique, virada para a luz. Ela encontrou o lugar que lhe convinha.
Muitas vezes somos perturbados e sentimo-nos pouco à vontade perante os outros, como se estivéssemos diante de um espelho. Aceita essa impressão sem experimentar inquietação. Serve-te do espelho para te observar a ti próprio. Aprenderás muito sobre as tuas atitudes secretas, o teu medo dos outros e as tuas defesas.
A avidez é um esforço destrutivo da alma. Querer possuir imediatamente, sem esperar, é a prova de um profundo desregramento, um reflexo de grande desespero. Tens de refrear as tuas necessidades, evitar toda e qualquer precipitação, e aprender a respirar calmamente em cada um dos teus actos, se desejares ser feliz.
O amor espiritual é o contrário do amor próprio, virado para si mesmo, que só traz desordem e confusão. Ele ultrapassa os conflitos interiores, os artifícios que permitem disfarçar a solidão para se abrir ao universo inteiro.
Permanece próximo do outro se não queres ser perseguido pelo seu fantasma. Não te esqueças de que o amor é um sol que dispersa os maus espíritos.
Não há luta sem verdadeiro amor. Toda a acção vigorosa guiada pela bondade atravessa as muralhas mais espessas, rejeita todas as formas de escravidão, de conformismo, de condicionamento, e acaba por ser livre.
O guerreiro interior nunca trai a sua alma de criança. É capaz de chorar perante a beleza do mundo ou diante do sofrimento do homem com igual sinceridade, porque ele se mantém dentro do coração do mundo, onde nascem as auroras. Não retenhas as tuas lágrimas, que são a riqueza profunda do coração, a sua parte de sombra e de sol.
Não te escondas como a cinza debaixo da chama. Afirma a tua finalidade e sai finalmente do sono.
O desejo cego conduz inevitavelmente a conflitos, porque é sempre contraditório e sem cessar tenta opor-se. Dá um olhar ao teu desejo, uma vontade e uma direcção. Ele tornar-se-á uma arma espiritual e não uma perda de energia.
Nós aceitámos que a vida tome a forma da angústia e do desespero, que tenha um começo e um fim, que comece no nascimento e que nos leve para a morte. Esta visão traduz a doença da alma que já não sabe ver para além de si mesma. Entrincheirada na sua solidão, ela chama por socorro mas recusa-se a abrir a porta. A reclusão não existe no universo. Tens no teu espírito a chave que abre todas as portas. O amor, que é espírito de bondade e harmonia, é a chave que faz comunicar entre si todos os espaços, todos os seres, todos os mundos.
O que tu és nas tuas relações com os outros renova as forças vivas da natureza, ou impede-as de se expandir e de circular. Por meio dos teus actos, participas no movimento eterno das coisas. Tornas-te Responsável.
A dor e o amor são as duas faces de uma mesma medalha. A sua face de sombra e a face iluminada. Aprende a fazer rodar a moeda, cada vez mais depressa, como os passos do dançarino que se sucedem com enorme rapidez e nunca se imobilizam numa falsa atitude de alegria ou de sofrimento.
Os homens de sofrimento habitam na terra sem a compreender. Eles circulam por ela como espíritos mortos, separados do mundo, exilados na sua própria dor. Os seus pensamentos são pesadas nuvens carregadas de amargura e de desgostos. Não te pareças com eles. Desperta. Volta ao mundo. Recupera a estrada que conduz ao sol.
O caminho que nos leva junto dos outros nunca é fácil. Os espíritos maus colocam armadilhas e fazem nascer o medo. São os pensamentos nefastos do homem que impedem o espírito de progredir e comportam-se como serpentes na sua estrada. Tens de avançar desprendendo-te de ti mesmo, tendo só o amor como únicas armas.
A solidão é a Natureza profunda do coração, a pérola de ouro puro no centro de todas as coisas, a caverna das maravilhas onde não penetram os ladrões. Aprende a viver contigo mesmo se quiseres conhecer as riquezas profundas do espírito.
Considera a solidão como uma iluminação, uma pura luz que se alimenta de si própria, fora do mundo e, no entanto, centro do mundo.
Entre os Sioux Dakotas, o profeta construía sempre o seu tepee fora do círculo da tribo. Sozinho, ali sentado, mergulhava no futuro e provocava a visão dos acontecimentos, de todas as coisas que haviam de vir. Sozinho consigo mesmo, comunicava com os antepassados e com os espíritos da natureza. Tal como ele, constrói o teu tepee interior, longe do círculo dos homens, num lugar de silêncio profundo. Torna-te um totem vivo.
A solidão não é uma barreira que isole do mundo, não é um remédio fácil para a dor, mas sim um acto de amor lúcido, que implica a totalidade do ser.
O homem totalmente sozinho, ou seja, desprendido de tudo, comunica sem esforço com os diferentes reinos da natureza. A sua solidão humana, ameaçada, tornou-se a grande e consoladora solidão do mundo. Ele está livre dentro de si mesmo, aberto a todos.
Não confundas a solidão do homem ferido, que se retira para dentro de si mesmo para morrer, com a solidão do sábio, que desperta o espírito e purifica o corpo.
A solidão protege o homem contra si próprio. não a consideres como uma barreira, como uma fortaleza, mas antes como uma nascente.
A liberdade primeiro dá-se na intimidade do espírito, humildemente, antes de ser levada para os outros, flamejante.
A solidão é a estrada real da vigília. O homem solitário está repleto do amor dos outros. Ele trá-los consigo como uma mãe leva os filhos. Respira, cante, chora, e o mundo respira, canta e chora com ele.
Sê consciente de todos os teus actos, de todos os teus sonhos, de todos os teus pensamentos. A via espiritual exige uma atenção aguda, total. É um jogo de ilusionismo que exige que permaneçamos em vigília no mais profundo de nós próprios.
Dentro de ti estão todos os mundos sonhados pelo homem, passados, futuros e outros ainda nunca sonhados. Tudo está lá, no espaço infinito e sagrado do teu espírito. Respeita-o, sente amor por ele, considera-o como um deus, sem perder noção da tua fragilidade, levado pelo rio do tempo, rico e pobre simultâneamente.
Acreditar que fora de nós o mundo e a matéria são inanimados é um erro de percepção. Estamos tão retraídos dentro de nós próprios, tão enclausurados nos nossos hábitos que já não sabemos ver. O universo inteiro é tecido de espíritos capazes de agir, ligados uns aos outros por um fenómeno de ressonância cósmica. Somos nós que nos julgamos isolados, separados. O universo não se sente separado. ELE É.
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Cheyennes, Sioux, Comanches... Os índios da América do Norte viram desaparecer toda uma civilização intimamente ligada à Natureza e ao cosmos - a sua civilização.
Estes "preceitos de vida" recolhidos da sabedoria ameríndia, fazem hoje parte da herança espiritual legada ao mundo moderno pelos índios. É uma resposta ao sentimento de abandono do homem "civilizado" que destruiu as florestas e poluiu a água dos oceanos e dos rios, para construir uma civilização artificial e arrogante que quebrou a antiga aliança entre o homem e a natureza.
Prefácio e organização de Jean Paul Bourre - "Sabedoria Ameríndia" - Pergaminho
(Original: "Préceptes de vie issus de la sagesse amérindienne" - Presses du Châtelet, 1997, Montreal, Québec, Canada.)
Aprende a permanecer livre. Não sejas prisioneiro de ideias feitas, pois estas só trazem desastres e confusão. Não te obstines na escuridão, pede à terra viva a sabedoria e a força.
Houve um tempo em que a Natureza fortalecia e instruía o homem, curando as suas feridas, e lhe dava a força para viver. O homem sentia-se pleno de compaixão e de amor maternal pela terra. Sabia que o coração do homem afastado da natureza seca e acaba por se tornar duro. Esse tempo não desapareceu. Está dentro de ti, é indestrutível. Basta modificar o teu olhar sobre as coisas, fazer calar o tumulto do mundo e recuperar a palavra do coração.
Tu não estás separado dos outros, encerrado numa solidão mortal, com angústias e doenças que só a ti te pertencem. Volta-te para os outros, aprende a olhar de outro modo o mundo que te rodeia. Experimenta pensamento harmoniosos por todas as formas de vida se desejares recuperar a alegria, pois és o irmão e a irmã de todas as criaturas.
Os índios que vivem perto da Natureza e do mestre da natureza não vivem nas trevas. Sabes que as árvores falam? Falam entre si e falam contigo se souberes ouvi-las.
O homem e a natureza pertencem ao mesmo circulo de transformações e recomeços. Um é o reflexo do outro. Quer seja animal, vegetal ou mineral, trata-se do mesmo mundo, do mesmo corpo vivo, infinito e eterno.
Tudo passa, as horas, as nuvens do céu, a vida dos homens, levadas do nascimento até à morte. Não te prendes à cronologia afectiva das coisas. É uma maneira muito má de ver o mundo. Faz de cada segundo uma experiência enriquecedora, sem te inquietares com o tempo que foge e os dias que já não regressam. O presente é a única coisa que não tem fim.
Antigamente a floresta imensa cobria tudo como um único espírito. Depois veio o tempo em que os homens dividiram o espírito e o despedaçaram como a um animal de caça, quebrando a harmonia da natureza. Foi assim que deixaram entrar a dor no mundo.
Quando se desce muito fundo no interior de si próprio, desemboca-se inevitavelmente na imensidão do mundo. Pode-se facilmente tomar o lugar de uma árvore, de uma montanha, de uma folhagem que respira, tornar-se o voo do pássaro ou o perfume de uma flor. Tens em ti o poder de experimentar as possibilidades espantosas da natureza, pela experiência interior que nos leva ao centro de todas as coisas.
Não consideres a natureza apenas como um quadro no qual te podes expandir, curar as doenças da alma e do corpo. A natureza não é exterior ao teu espírito, não se trata de um mundo diferente, afastado, difícil de compreender. Apesar das aparências, só tens um espírito.
Sê tu próprio, aprende pelos teus actos a criar emoções, sensações e cores, tal como o pintor, como o criador do universo. É dentro de ti que se situa o lugar do maior amor. Não há outro lugar para amar.
Aprende a comunicar com as outras formas de vida - a árvore, o rio, o animal. São as outras formas de ti próprio.
A alegria e o desgosto, o prazer e a tristeza, habitam-nos alternadamente, tal como o dia e a noite, a vida e a morte. Se desejares progredir espiritualmente, considera-as como as duas margens do rio que corre no mesmo sentido.
Não serve de nada fugir de ti próprio, escolhendo a vida desordenada e ruidosa do mundo moderno. A tua dor procura-te, tal como o lobo persegue a presa. Espera-a firmemente, no centro de ti mesmo, rodeia-te de pensamento luminosos, diverte-te com o mundo como a criança, e a dor desfazer-se-á imediatamente como a neve ao sol.
Nunca cessaremos de explorar o universo, tanto dentro como fora de nós. O fim de todas as nossas explorações consistirá em retornar ao ponto de partida e descobri-lo pela primeira vez.
Com os olhos fechados, acha o céu dentro de ti mesmo, e deixa os pensamentos tornarem-se pássaros. Não tentes agarrá-los, como o fazes habitualmente. Deixa-os flutuar, voar e rodopiar sem intenção, sem significado particular. Já não são portadores de um drama, de uma obsessão ou de uma reflexão que os torna pesados, penosos. Giram dentro de ti, leves como o fumo do ouro, felizes por estarem no mundo.
Aprende o desapego, se quiseres vencer-te a ti próprio. Abre todas as manhãs a tua janela, enche-te de luz e afirma com um sentimento de alegria profunda: "Hoje é um belo dia para morrer.".
Observando-te a ti mesmo, acabas por esclarecer as tuas próprias contradições. Os reflexos de defesa desaparecem, e podes aproximar-te dos outros com a tua vulnerabilidade, a tua fragilidade e a tua força, como o dançarino do sol, só com a chama do teu amor.
Quando os guerreiros retornam de uma batalha, ocultam o seu poder dentro de si próprios, recuam-no como se faz ás asas. Largam as suas armas. Aprende a destacar-te dos teus próprios actos. Age livremente, depois torna a ti mesmo de mãos vazias, e ser-te-á concedida a paz.
O teu próprio espírito não está preso, acorrentado dentro de ti mesmo. Sem que tu saibas, comunica com a natureza subtil dos seres e das coisas. Desloca-se a grandes distancias, fala nos teus sonhos, envia-te sinais que não sabes traduzir. Aprende a ler no teu espírito, e o Grande Espírito do universo responder-te-á.
As tuas paixões lançam-se como voos de dardo, em todas as direcções, e acabam por se perder. Retém-nas e reúne-as numa mesma força, num mesmo espírito, numa mesma vontade, se quiseres que se tornem um poder.
Não te desvies dos obstáculos, não tentes fugir das dificuldades. Quando encontra um rochedo no seu caminho, o rio nunca volta para trás. Contorna-o deslizando, brinca com ele como um curandeiro que murmura e encanta a ferida, ou então salta no meio de um feixe de luz. Aprende a dançar com o obstáculo se quiseres progredir.
As decisões do homem, as suas opções e os seus actos comprometem o universo inteiro. Nada está separado, como mostram os desenhos dos tapetes kiowas onde o universo aparece sob a forma de ritmos, de energias, de ressonâncias. Tu pertences à trama infinita em que tudo comunica. Não tomes nenhuma decisão sem teres antes descido muito fundo dentro de ti próprio.
Por vezes o homem está à beira do abismo, paralisado pelo medo, incapaz de agir, de avançar. Não sabe que a proximidade desse abismo lhe pode permitir uma importante metamorfose. Recuperar as asas do espírito, abandonar-se com toda a confiança e lançar-se no vazio. A proximidade do abismo lembra ao homem que possui o poder de voar.
O sábio é como uma criança que ficasse nas alturas de uma montanha e se divertisse a brincar com o sol e as tempestades. São-lhe concedidos todos os poderes. Ele inventa uma nova linguagem, dialoga com o vento, cria novos universos, fala com os sonhos, imita o voo de um pássaro ou o andar burlesco de um urso. Troça das suas próprias angústias. Observa as suas emoções e sensações como se observam as flores de um jardim. Habita uma nuvem dourada onde a morte não penetra.
Não voltes a pensar no mundo com o cérebro mas sim com o coração. Liberta-te do que te prende ao peso. Torna-te livre e ligeiro.
Os estados de cólera são flechas aguçadas que saltam das mãos e surpreendem o atirador. O guerreiro que possui o arco da sabedoria atira flechas voluntárias, perfeitamente pensadas, sem se abandonar à agitação, à desordem que nasce do medo. Transforma os estado de cólera em canto de vitória sobre ti próprio.
O importante é estarmos conscientes de nós próprios, das nossas relações com as coisas, com as pessoas e as ideias. É não sermos os patetas do jogo e aprofundarmos as nossas relações e a nossa percepção do mundo. Só depois é que começa o real.
Tudo o que imaginares em espírito realizar-se-á se não tirares a luz ao coração.
Curar o outro não é difícil. Basta amá-lo, fazer dele o ser mais importante do mundo, e abandonar-nos totalmente a ele renunciando a nós próprios.
Hoje temos medo de viver e medo de morrer, porque nunca vivemos o imediato. A reflexão afasta-nos do centro de nós mesmos e arrasta-nos para mundos ameaçadores e desesperantes. O espírito diverte-se a criar o medo, como um actor disfarçado de fantasma, e nós trememos quando ele aparece. Aprende a ver por detrás das máscaras.
Não julgues, não decidas o que é o bem ou o mal sem teres consultado o teu próprio coração.
A violência dos sentimentos impede o espirito de falar com o espirito. O homem transforma-se num demónio para o homem, ao mesmo tempo caçador, vitima e predador. É a presa e a garra da águia, prisioneiro da culpa e do remorso. Não te deixes devorar pelas tuas próprias emoções, mantém-nas à distância e considera-as como jogos de sombras. No centro de si mesmo, é o homem quem comanda o jogo.
Não esperes nada dos outros se tu próprio ainda não deste nada. Segue o exemplo da terra sagrada que dá sempre, que se renova continuamente, que faz renascer e nunca fica com nada.
Aceita a confrontação como sendo uma prova agradável, um ligeiro obstáculo a vencer. Vira-a para ti mesmo, como se fosse um espelho, e nela aprende a desvendar as tuas fraquezas e os teus próprios erros. Tornar-se-á uma dança alegre, e os outros aproximar-se-ão de ti, de mãos estendidas e com o espírito irradiando uma suave luz.
Sempre que deres guarida ao teu irmão, dás guarida à parte misteriosa de ti mesmo, que está no outro. O mesmo acontece com ele, e é então que a amizade se torna comunhão.
O espírito no interior do homem nunca procura o conflito, a violência, a oposição. Ele não declara guerra a si próprio. Permanece para além dos problemas do homem, numa inocência sempre nova, numa luz de aurora.
Nunca permaneças demasiado tempo dentro de ti mesmo. Tu precisas do outro para poderes afirmar a tua fé na vida, comunicar o amor, agir no mundo dos homens. Estais todos no mesmo caminho, à procura do mesmo sol. Reconhece no outro, seja ele quem for, um irmão de aventuras, perdido, e que procura a luz.
O corpo doente é a consequência de uma alma enfraquecida, que duvidas de si própria, atravessada por pensamentos nefastos. O homem-espírito combate a doença com pensamentos de luz.
Porque é que o homem está mais vezes doente que o pássaro, o bisonte ou o puma das montanhas? Porque ele quebrou o pacto harmonioso das forças introduzindo maus pensamentos no seu espírito, a uma profundidade muitas vezes difícil de atingir. Ele precisa de toda a ciência do xamã-curandeiro para mergulhar dentro de si mesmo e curar a alma doente.
A alma desespiritualizada é como o animal cego, privado de orientação, que vai de encontro a todos os obstáculos. Os espíritos de dor têm-na em seu poder como a garra da águia. Os que são fracos, doentes ou foram feridos, perderam os seus aliados. Já não os protege o espírito-guardião, que se afastou deles como a estrela cadente. Para ajudar quem sofre, tens de achar o seu aliado e conduzi-lo de volta para dentro do corpo.
Fica sabendo que nunca se transmite o poder directamente a uma pessoa doente mas sim ao seu espírito-guardião.
Não temas a morte, nem a sua aparência aterradora, definitiva, consequência do terror do homem e da sua ansiedade perante o mistério da desaparição. Os sábios alcançaram estas outras paisagens, por detrás do jogo das aparências. Mergulharam no interior do Rio. Sabem que não há morte mas transformação de mundo.
A ave para se curar oferece-se aos raios do sol, procura a luz, o poder que dá e que renova a vida. Não busques refúgio nas trevas como se quisesses morrer. Expõe-te ao fogo do espírito, que reforçará a tua alma, reanimará a tua vitalidade perdida. O misterioso espírito que está dentro de ti é capaz de muitos prodígios. Tem o poder de trazer a Primavera para o meio do Inverno; é ele que governa as estações da alma.
Para morrer, o guerreiro veste as suas roupas de guerra, chama a si os aliados, os seus espíritos protectores, e a seguir pôe-se a dançar à luz do sol. a morte torna-se uma festa, uma celebração, o canto de vitória do regresso.
A morte não abandona o ciclo da grande Natureza. Deves considerá-la como um eterno retorno.
O centro do homem que medita é também o do universo, o seu principio e fim, o lugar onde tudo recomeça.
A imobilidade do espírito contemplando-se a si mesmo só é possível quando o cérebro descansa, calmo como um lago na primavera. Então, nada mais embaraça a visão, e o universo inteiro reflecte-se nele com o mesmo encantamento e a mesma alegria singela.
Aproveita os momentos de silêncio para te ouvires a ti mesmo, para procurares a nascente profunda, por detrás dos pensamentos inúteis e do obstáculo das palavras.
Evita as concepções e julgamentos assentes na mentalidade humana; não levam em conta os múltiplos aspectos da natureza e os sonhos dos homens. Não traduzem a amplitude real das sensações e das percepções.
No teu espírito residem todos os poderes, como os diamantes numa mina. Só tens que descer lá ao fundo, munido da lâmpada da sabedoria.
Procura a intensidade do contacto com a Natureza até à vertigem se quiseres comunicar com o espírito que se oculta por detrás de todas as coisas.
Tudo o que faz um índio, fá-lo dentro de um círculo. Nos tempos antigos, quando éramos um povo feliz e forte, o nosso poder vinha-nos do círculo sagrado da nação, e enquanto não foi quebrado, o nosso povo foi sempre próspero. Este conhecimento provém-nos do mundo do além, com a nossa religião.
Refugia-te dentro de ti se quiseres ajudar os outros. Todas as forças vivas do universo se cruzam no coração do homem.
A mais alta sabedoria é sempre a do coração. Diante dele, o universo torna-se ao mesmo tempo humilde e protector, e as estrelas põem-se a rezar.
Quem medita ultrapassa os limites da sua memória. Torna-se consciente de si mesmo e do mundo na sua totalidade.
Tudo passa. Os bisontes não voltarão, as cidades dos homens já ocupam agora as pradarias e montanhas. O que resta ao homem livre? O território do seu espírito, imenso, que ninguém poderá alguma vez invadir. Volta a ser o homem livre, torna-te o guerreiro de ti próprio, como eram outrora os nossos antepassados Sioux na época das grandes caçadas.
Durante a meditação o corpo transforma-se no sonho do espírito.
Suprime em ti o ódio e o medo que impedem de se avançar para si próprio e para os outros.
Desce ao fundo de ti e descobrirás sóis esquecidos pelos homens, que todavia nunca deixaram de brilhar. Arranca as cortinas da sombra, contempla o universo na sua infinita sabedoria.
Em todos os teus actos, ganha consciência do instante presente, esquece o peso do passado e o temor do futuro. Evita as questões, as hesitações, as incertezas. Se tens o desejo de ser feliz, não te afastes de ti mesmo, sempre de acordo com o mundo que te rodeia, numa comunhão amorosa e fervorosa do Instante, sem perder lucidez.
Na meditação, o pensamento cala-se para deixar falar o amor. Ele não exige, não julga, não comanda, mas contenta-se em amar, leve como a água que dança ao sol. Ele vê o mundo com olhos de luz.
A acção longamente meditada age de perfeito acordo com o espírito. Ela deixa de participar na confusão do mundo e no seu sofrimento, porque o coração do homem a acompanha tal como a luz acompanha a flecha lançada pelo arco.
Os territórios interiores estão semeados de emboscadas e de armadilhas. São as manias, os maus hábitos, as feridas da alma, nunca curadas. Desce ao fundo de ti, munido da tocha do espírito. Ganha consciência da maravilhosa aventura que te é oferecida: Não houve outros viajantes antes de ti.
Mergulha dentro de ti mesmo e transforma-te no teu próprio curandeiro.
O homem fraco acusa os outros, culpa-os das suas desgraças, mas os seus olhos procuram socorro, por uma ajuda caridosa. Aprende a amar a criança no homem. Ela é a sua salvaguarda, a sua grande luz, uma recordação da antiga felicidade. É com ela que o homem pode recomeçar a viver.
A bondade é uma fonte miraculosa que corre nas veias do homem sábio. Torna-o frágil e transparente, capaz de receber a luz e de reflecti-la. É o espelho sensível, ao mesmo tempo fonte e reflexo.
A bondade desarma o homem violento. Imobiliza-o na sua luz, toca-lhe o coração e fá-lo tornar a ser criança.
A maior parte dos homens temem a bondade, tal como as aves nocturnas receiam uma luz demasiado forte. Precisam da penumbra para se disfarçar, de pôr máscaras e mentir a si próprios. A bondade incomoda-os porque lhes parece uma coisa pouquíssimo humana, mais próxima do anjo que do homem. Lembra-te que a bondade não é uma fraqueza da alma, nem um choramingar no ombro do teu irmão. Tens de compreender o poder da bondade, o seu poder infinito. Quando aparece, a bondade arranca as máscaras e desnuda os corações. O guerreiro que possui o arco da sabedoria utiliza-o como uma flecha de fogo.
Não dês qualquer importância às criticas e aos julgamentos dos outros, porque só traduzem o seu sofrimento, a sua inquietação, as suas hesitações, por detrás de atitudes violentas, e da falsa afirmação de si. Fala-lhes na linguagem dos sonhos, na das emoções simples que perderam, se quiseres aproximar-te deles.
Aprende a combater os teus maus pensamentos, os remorsos, as ideias tristes que envenenam os espírito. Não os leves a sério. A sua fase de trevas não passe de um jogo infeliz, pois a sombra só existe quando se está de costas viradas para o sol. Age como um chefe de guerra. Contorna-os e sê o espelho que lhes reflectirá a luz; então as vestes de tristeza tombarão como peles mortas.
Não deixes que os maus pensamentos paralisem o teu espírito. Ensina-os a dançar.
Desperta em ti a doçura da alma, os sonhos de amor, as brincadeiras de infância. Os guerreiros Cheyennes brincavam com os seus filhos antes de partirem para a guerra. Tinham necessidade de um protecção poderosa, sobrenatural.
Não utilizes o teu corpo como um instrumento de prazer...a não ser que dês a esse prazer as asas do espírito.
Aprende a alegria observando os teus pensamentos e os teus desejos. Brinca com eles como se fossem figuras mágicas dotadas de um espírito, autónomas e livres. Observa o mundo dançar dentro de ti. Só então poderás entoar o teu canto de vitória.
Dá aquilo que gostarias de receber e o Espírito da Natureza encher-te-á de oferendas, em cada dia da tua vida.
A alegria espiritual não se racionaliza. Estende-se para lá de nós próprios como a água do rio que transborda. O homem não decide. A alegria de amar pousa muito simplesmente sobre ele como a ave se empoleira no alto de um rochedo a pique, virada para a luz. Ela encontrou o lugar que lhe convinha.
Muitas vezes somos perturbados e sentimo-nos pouco à vontade perante os outros, como se estivéssemos diante de um espelho. Aceita essa impressão sem experimentar inquietação. Serve-te do espelho para te observar a ti próprio. Aprenderás muito sobre as tuas atitudes secretas, o teu medo dos outros e as tuas defesas.
A avidez é um esforço destrutivo da alma. Querer possuir imediatamente, sem esperar, é a prova de um profundo desregramento, um reflexo de grande desespero. Tens de refrear as tuas necessidades, evitar toda e qualquer precipitação, e aprender a respirar calmamente em cada um dos teus actos, se desejares ser feliz.
O amor espiritual é o contrário do amor próprio, virado para si mesmo, que só traz desordem e confusão. Ele ultrapassa os conflitos interiores, os artifícios que permitem disfarçar a solidão para se abrir ao universo inteiro.
Permanece próximo do outro se não queres ser perseguido pelo seu fantasma. Não te esqueças de que o amor é um sol que dispersa os maus espíritos.
Não há luta sem verdadeiro amor. Toda a acção vigorosa guiada pela bondade atravessa as muralhas mais espessas, rejeita todas as formas de escravidão, de conformismo, de condicionamento, e acaba por ser livre.
O guerreiro interior nunca trai a sua alma de criança. É capaz de chorar perante a beleza do mundo ou diante do sofrimento do homem com igual sinceridade, porque ele se mantém dentro do coração do mundo, onde nascem as auroras. Não retenhas as tuas lágrimas, que são a riqueza profunda do coração, a sua parte de sombra e de sol.
Não te escondas como a cinza debaixo da chama. Afirma a tua finalidade e sai finalmente do sono.
O desejo cego conduz inevitavelmente a conflitos, porque é sempre contraditório e sem cessar tenta opor-se. Dá um olhar ao teu desejo, uma vontade e uma direcção. Ele tornar-se-á uma arma espiritual e não uma perda de energia.
Nós aceitámos que a vida tome a forma da angústia e do desespero, que tenha um começo e um fim, que comece no nascimento e que nos leve para a morte. Esta visão traduz a doença da alma que já não sabe ver para além de si mesma. Entrincheirada na sua solidão, ela chama por socorro mas recusa-se a abrir a porta. A reclusão não existe no universo. Tens no teu espírito a chave que abre todas as portas. O amor, que é espírito de bondade e harmonia, é a chave que faz comunicar entre si todos os espaços, todos os seres, todos os mundos.
O que tu és nas tuas relações com os outros renova as forças vivas da natureza, ou impede-as de se expandir e de circular. Por meio dos teus actos, participas no movimento eterno das coisas. Tornas-te Responsável.
A dor e o amor são as duas faces de uma mesma medalha. A sua face de sombra e a face iluminada. Aprende a fazer rodar a moeda, cada vez mais depressa, como os passos do dançarino que se sucedem com enorme rapidez e nunca se imobilizam numa falsa atitude de alegria ou de sofrimento.
Os homens de sofrimento habitam na terra sem a compreender. Eles circulam por ela como espíritos mortos, separados do mundo, exilados na sua própria dor. Os seus pensamentos são pesadas nuvens carregadas de amargura e de desgostos. Não te pareças com eles. Desperta. Volta ao mundo. Recupera a estrada que conduz ao sol.
O caminho que nos leva junto dos outros nunca é fácil. Os espíritos maus colocam armadilhas e fazem nascer o medo. São os pensamentos nefastos do homem que impedem o espírito de progredir e comportam-se como serpentes na sua estrada. Tens de avançar desprendendo-te de ti mesmo, tendo só o amor como únicas armas.
A solidão é a Natureza profunda do coração, a pérola de ouro puro no centro de todas as coisas, a caverna das maravilhas onde não penetram os ladrões. Aprende a viver contigo mesmo se quiseres conhecer as riquezas profundas do espírito.
Considera a solidão como uma iluminação, uma pura luz que se alimenta de si própria, fora do mundo e, no entanto, centro do mundo.
Entre os Sioux Dakotas, o profeta construía sempre o seu tepee fora do círculo da tribo. Sozinho, ali sentado, mergulhava no futuro e provocava a visão dos acontecimentos, de todas as coisas que haviam de vir. Sozinho consigo mesmo, comunicava com os antepassados e com os espíritos da natureza. Tal como ele, constrói o teu tepee interior, longe do círculo dos homens, num lugar de silêncio profundo. Torna-te um totem vivo.
A solidão não é uma barreira que isole do mundo, não é um remédio fácil para a dor, mas sim um acto de amor lúcido, que implica a totalidade do ser.
O homem totalmente sozinho, ou seja, desprendido de tudo, comunica sem esforço com os diferentes reinos da natureza. A sua solidão humana, ameaçada, tornou-se a grande e consoladora solidão do mundo. Ele está livre dentro de si mesmo, aberto a todos.
Não confundas a solidão do homem ferido, que se retira para dentro de si mesmo para morrer, com a solidão do sábio, que desperta o espírito e purifica o corpo.
A solidão protege o homem contra si próprio. não a consideres como uma barreira, como uma fortaleza, mas antes como uma nascente.
A liberdade primeiro dá-se na intimidade do espírito, humildemente, antes de ser levada para os outros, flamejante.
A solidão é a estrada real da vigília. O homem solitário está repleto do amor dos outros. Ele trá-los consigo como uma mãe leva os filhos. Respira, cante, chora, e o mundo respira, canta e chora com ele.
Sê consciente de todos os teus actos, de todos os teus sonhos, de todos os teus pensamentos. A via espiritual exige uma atenção aguda, total. É um jogo de ilusionismo que exige que permaneçamos em vigília no mais profundo de nós próprios.
Dentro de ti estão todos os mundos sonhados pelo homem, passados, futuros e outros ainda nunca sonhados. Tudo está lá, no espaço infinito e sagrado do teu espírito. Respeita-o, sente amor por ele, considera-o como um deus, sem perder noção da tua fragilidade, levado pelo rio do tempo, rico e pobre simultâneamente.
Acreditar que fora de nós o mundo e a matéria são inanimados é um erro de percepção. Estamos tão retraídos dentro de nós próprios, tão enclausurados nos nossos hábitos que já não sabemos ver. O universo inteiro é tecido de espíritos capazes de agir, ligados uns aos outros por um fenómeno de ressonância cósmica. Somos nós que nos julgamos isolados, separados. O universo não se sente separado. ELE É.
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Cheyennes, Sioux, Comanches... Os índios da América do Norte viram desaparecer toda uma civilização intimamente ligada à Natureza e ao cosmos - a sua civilização.
Estes "preceitos de vida" recolhidos da sabedoria ameríndia, fazem hoje parte da herança espiritual legada ao mundo moderno pelos índios. É uma resposta ao sentimento de abandono do homem "civilizado" que destruiu as florestas e poluiu a água dos oceanos e dos rios, para construir uma civilização artificial e arrogante que quebrou a antiga aliança entre o homem e a natureza.
Prefácio e organização de Jean Paul Bourre - "Sabedoria Ameríndia" - Pergaminho
(Original: "Préceptes de vie issus de la sagesse amérindienne" - Presses du Châtelet, 1997, Montreal, Québec, Canada.)
http://artitaminha.blogspot.pt/2013/08/sabedoria-amerindia.html?view=classic
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