domingo, 5 de junho de 2016

As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.
Alberto Caeiro
“O Guardador de Rebanhos – Poema XXV”
Heterónimo de Fernando Pessoa
Albéniz percorreu as épocas mesetárias
num velho Renault de 1911. O seu
sorriso era a herança de um veleiro
ou um corsário do tempo de isabel, a católica.
O campeão dos bebedores de cervejas,
um tal hornblwer, espalhava a alegria
por todo o país. A viagem diluía as ruas
de basalto, os oleiros de córdova, a cera
das próprias asas. E os pavios das velas
extintos, extintos.

Foi o vinho tinto, catalunha
mais de um mês durou a botija
de couro.
A cantábria
ébria
ufana
do áspero vento. A virgem lola.

Músicos d´españa.



rui diniz
sião
organização e notas de
al berto, paulo da costa domingos e rui baião
lisboa
1987

Albéniz percorreu as épocas mesetárias
num velho Renault de 1911. O seu
sorriso era a herança de um veleiro
ou um corsário do tempo de isabel, a católica.
O campeão dos bebedores de cervejas,
um tal hornblwer, espalhava a alegria
por todo o país. A viagem diluía as ruas
de basalto, os oleiros de córdova, a cera
das próprias asas. E os pavios das velas
extintos, extintos.

Foi o vinho tinto, catalunha
mais de um mês durou a botija
de couro.
A cantábria
ébria
ufana
do áspero vento. A virgem lola.

Músicos d´españa.



rui diniz
sião
organização e notas de
al berto, paulo da costa domingos e rui baião
lisboa
1987
Uma vez mais
a casa despida.
Lentas fotografias, moles molduras,
álbuns blindados, o pó de tudo,

o silêncio prevalecente
da despedida.
Uma casa mais
eu deixo.

Por vezes parece que
sou eu quem fica
e ela que me deixa.


daniel jonas
bisonte
assírio & alvim
2016
" Hay una leve luz caída
                 entre las hojas de la tarde.
                 Dame
                 tu mano y cruza
                 de puntillas conmigo
                 para nunca pisarla,
                 para no arder tan tenue
                 en sus dormidas brasas
                 y consumirte lenta
                 en el perfil del aire "

                 José Ángel Valente (1929-2000)
Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.
A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

Mia Couto
“Idades Cidades Divindades”
É belo o tempo de Inverno,
no silêncio, a lenha húmida
das maternas canções da chuva.
Na lentidão de Janeiro
fica mais longe a morte. As aves
habitam nos beirais
como príncipes destronados.


inês lourenço
o segundo olhar
companhia das ilhas
2015
" ¿ Serán tus ojos como el mar o acaso
       son como la ceniza, alimentados
       por voraces incendios de retama ?
       Aquí, junto a las playas de Levante,
       dan sabor agrio como el cuerpo tuyo
       los limoneros por el aire brillan
       las palmeras al sol como tú altivas.
       Pero tus ojos, agua que se incendia,
       llama del aire, nube transparente,
       piel de reptil o resplandor de olivo,
       tienen el color de lo que nace y muere.
       Como el amor que nace y muere solo,
       como la primavera o como el ruido
       del algún astro que al fondo de la noche se aleja "
        
              Joaquín Benito de Lucas.
Nagel Harbor, um piloto norueguês de Colombo,
depois de pôr em suas rotas certas os navios
que zarpavam para portos ignotos e distantes,
descia para o barco, rosto grave, pensativo,
as duas mãos rudes cruzadas adiante do peito,
e, com seu velho cachimbo de barro fumegando,
a falar consigo mesmo nalguma língua nórdica,
ia-se embora enquanto as naus sumiam no horizonte.

Nagel Harbor, ex-capitão da marinha mercante,
depois de ter corrido o mundo inteiro, certo dia
cansou-se e resolveu ficar de piloto em Colombo.
Mas lembrava-se sempre do seu país tão distante
e das ilhas que estão cheias de vozes, as Lofoten.
Um dia, de repente, morreu dentro do seu barco
de piloto, ao escoltar o navio-tanque «Fjord Folden»
que partia, fumegando, para as ilhas Lofoten…


níkos kavvadías
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
trad. josé paulo paes
assírio & alvim
2001
 " Y puede ser violenta la belleza
          solemne y erigida en mármol bélico.
          Aleteo de estrago y de batalla
          y del fulgor de cuanto nos otorga
          con la suave sonrisa de su nombre,
          deja de reclinarse en mármol plácido,
          toda vuelo triunfal que se defiende
          de la paz separada de su rostro,
          lucha contra nosotros, nos desdeña,
          nos rechaza y nos llama generosa,
          y en este cuerpo a cuerpo con su luz,
          malheridos de gozo y alegría,
          acatamos su fuerza, damos gracias,
          vencidos, sojuzgados, victoriosos "

                Enrique Badosa.
" Claro y oscuro con amarillo falso,
       blanco imperfecto y rojo.
       Y del pavo real jubiloso y del arco irisado la hermosura.
       De la manchada pantera y del rubio león
       y de la bilis del plomizo cuervo.
       Todos estos colores deben aparecer antes que el blanco perfecto.
       Y tras el blanco,
       el gris y el falso amarillento.
       Y cuando el rojo sangre invariable
       teñirá todos los metales y las rocas
       con el fuego que nunca se quema "

          César Antonio Molina.
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.

Pois é assim: a minh´ Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.

Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o «Matin» de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:

Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.

Folhetim da  «Capital»
Pelo nosso Júlio Dantas —
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…

O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia! …

Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…

Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?
— Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:

O que era fácil — partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel

A gritar: «via a Alemanha» …
Mas a minh´ Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade…

Vou deixá-la — decidido —
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
É um fim mais raffiné.

Paris, Setembro  1915


mário de sá-carneiro
poemas

Favorite New Zealand Photos

And here are some of my fave photos inspired by the movies!
Coming Home
Underearth
The View From Deer Park Heights In New Zealand
The Dirt Road to Paradise After you pass Glenorchy, the paved road continues for a while as you approach Paradise. The paved road then turns into a dirt road. At this point, many visitors turn around, which is a shame! You can keep on rolling down this road in your rental car for quite a way. There’s even a few river crossings you can make, like Arwen on horseback. You can do it! Probably. I even see giant campervans going through here… anyway, the dirt road is in pretty good condition, so don’t let that turn you back!- Trey RatcliffClick here to read the rest of this post at the Stuck in Customs blog.
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“I like you, 
your eyes are full of language.”

~Anne Sexton
[…]

Quando lhe perguntaram quem o iniciara na actividade bombista, respondeu que fora a primavera: assistira maravilhado à explosão de vinte e oito primaveras. Passara depois a expedir bombas-relógio para destinatários que procurava nas primeiras páginas dos jornais, e em cuja confecção usava não os vulgares despertadores, mas apenas relógios de cuco.

Jorge Sousa Braga (1957)
O Poeta Nu

sexta-feira, 3 de junho de 2016


Senhor, Ensina-me Aquilo que me Falta

Havia no deserto um anacoreta que pastava com os búfalos. Um dia dirigiu-se a Deus e perguntou-lhe: “Senhor, ensina-me aquilo que me falta”. Então uma voz respondeu-lhe: “Entra em certo cenóbio e faz aquilo que te disserem”. Ele dirigiu-se então a esse cenóbio e aí permaneceu. Não conhecia nada dos trabalhos dos monges, até que os pobres monges começaram a ensinar-lhe os diversos trabalhos, dizendo-lhe: “Faz isto, idiota! Faz aquilo, velho tonto”. Aflito, o anacoreta disse a Deus: “Senhor, o trabalho dos homens não o entendo, mandai-me de novo para junto dos búfalos”. Deus consentiu e ele regressou ao campo para pastar no meio dos búfalos. Mas nesse lugar os homens tinham colocado umas redes. Alguns búfalos caíram nelas e, em certa altura, caiu também o ancião. E ele teve então o seguinte pensamento: “Tu que tens mãos, solta-te das redes”. Mas depois respondeu-lhe outro pensamento: “Se és um homem, decide-te e vai viver com os homens. Mas se és um búfalo, então deixa de ter mãos”. E ficou envolto nas redes até ao outro dia. Quando os homens vieram apanhar os búfalos, ao verem o velho ficaram tolhidos pelo terror. Ele não disse palavra. Soltaram-no e deixaram-no partir. E ele fugiu, correndo, atrás dos búfalos».

inA Oração dos Homens — uma antologia das tradições espirituais
(apresentação, selecção e tradução de Armando Silva Carvalho e de José Tolentino Mendonça)

domingo, 29 de maio de 2016

A Um Jovem Poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância 
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então 
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

Manuel António Pina (1943)
Poesia, Saudade da Prosa — uma antologia pessoal

sexta-feira, 27 de maio de 2016

[…]

A música une, os costumes separam. Pela união origina-se a amizade dos homens entre si, pela separação a consideração de uns pelos outros. Quando a música alcança uma importância demasiada, há negligência. Quando os costumes predominam em demasia, quebra-se o apreço e surge o alheamento.

Hugo von Hofmannsthal (1874-1929)
Livro dos Amigos
(tradução e prefácio de José A. Palma Caetano)