Abud Said (também Aboud Saeed) é um escritor sírio, nascido em Manbij em 1983. Passou a maior parte de sua vida, no entanto, em Alepo, no norte do país, onde trabalhava como ferreiro quando eclodiu a Guerra Civil Síria em 2011. Sem ter considerado qualquer carreira literária, suas postagens no Facebook sobre o dia-a-dia de sua mãe e família em meio à guerra começaram a ganhar vários leitores. Descoberto pela tradutora alemã Sandra Hetz, que vive em Beirute, a editora alemã Mikrotext lançou em 2013, com tradução de Hetz, uma antologia de suas postagens sob o título Der klügste Mensch im Facebook. Statusmeldungen aus Syrien, que sai agora no Brasil pela Editora 34 como O Cara mais esperto do Facebook, com tradução do árabe por Pedro Martins Criado. Aboud Said vive há um ano em Berlim, como refugiado. Tive o prazer de conhecê-lo na Eslovênia, quando lemos juntos em um evento em Liubliana. É bom saber que ele vai ao Brasil e participa da FLIP este ano. Para mim, a leitura de O Cara mais esperto do Facebook foi uma das experiências mais humanizadoras quanto a tudo o que li sobre a terrível guerra civil que ainda destroça aquele país.
--- Ricardo Domeneck
§
TEXTOS DE ABUD SAID
traduções de Pedro Martins Criado
18 de janeiro de 2012 às 14:03
O ditador / não ouve jazz
*
23 de fevereiro de 2012 às 21:14
Minha namorada disse: eu gostaria de ver seu quarto e sua biblioteca.
Eu disse a ela: não tenho biblioteca, só alguns livros espalhados aqui e ali.
Eu não tenho meu próprio quarto / cada membro da família diz que meu quarto é o quarto dele / até as visitas, quando digo "fique à vontade", vão direto para lá.
Meu quarto é o que não tem cama / tem uma TV e um aquecedor / minha mãe sempre fica lá sentada / rezando e assistindo às notícias, e como ela não sabe ler, todo dia me pergunta o número de vítimas.
Fico nervoso com as perguntas dela e de vez em quando invento um número da minha cabeça.
*
28 de maio de 2012 às 15:03
Toda vez que eles dizem "grupos armados" / uma gargalhada coletiva ecoa do cemitério.
*
28 de junho de 2012 às 17:01
Confissão 51:
Continuarei escrevendo até chegar um tanque na porta da minha casa.
*
29 de julho de 2012 às 00:42
Caso bombardeiem o meu computador e a mim, alguém no exterior vai administrar
minha conta do Facebook. Nada vai mudar.
Minha foto de perfil continuará como está / de pinta e cigarro.
Meus amigos continuarão / o número pode variar.
As paixões / nós continuaremos enquanto houver teclas no teclado.
Os poetas / fodam-se seus murais do Facebook, um a um.
A morte / excluo um amigo e aceito o pedido de outro que esperava há meses.
A revolução / se levantou e o Facebook tomou o seu lugar.
*
25 de agosto de 2012 às 13:21
Enquanto minha vizinha bonita jogava água na frente da casa dela
eu estava na varanda, fumando. Fumando para convencê-la
de que estou muito ocupado, e não sozinho. Fumando para bater
as cinzas do meu cigarro na frente dela. Fumando para xingar o ditador
a cada trago. Fumando para que a fumaça queime meus olhos
até lacrimejarem e minha mãe ache que estou chorando a morte dos meus amigos
Fumando e fazendo uma nuvem de fumaça para que o mundo civilizado veja
que a nossa casa está queimando, e nos envie bombeiros e o resgate
Fumando para minha mãe não parar de fumar.
.
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário