terça-feira, 29 de novembro de 2016

Joane

Nesse tempo, esperava crescer para molhar o pão no vinho. Jogava à bola na grande garagem e corria sempre, quase distraído. 
Não sabia ainda um nome para as coisas. Contava os passos e prendia o amigo. Subia às árvores, derrubava ninhos e fugia. Havia apenas o monte e esconderijos nos penedos. E a mina, escura. 
Os dias passavam sem que me lembrasse. Uma espécie de sol me protegia.

Mário Rui de Oliveira (1973)
O Vento da Noite
(prefácio de Eugénio de Andrade)

sábado, 26 de novembro de 2016

O óbvio que ignoramos – Jacob Pétry


Descrição do livro

Usando exemplos concretos de pessoas como Gisele Bündchen, Elizabet Gilbert, John Kennedy, entre muitos outros, o autor nos mostra o que diferencia as pessoas com resultados extraordinários das demais: princípios simples e óbvios, mas geralmente ignorados pela maioria. Pessoas de sucesso seguem uma lógica óbvia e simples, mas muito poderosa. Ao colocar luz sobre essa lógica, Jacob Pétry oferece um fascinante padrão de atitudes que facilmente pode ser aplicado por qualquer um que queira explorar ao máximo seu potencial.
“Muitas vezes somos subjugados por forças que não conseguimos compreender, e que nos tornam incapazes de tomar decisões apropriadas sobre questões profissionais e pessoais”, diz o autor. Essas forças são descritas no livro, e revelam as origens ocultas e inexploradas das nossas atitudes, levando o conceito de sucesso para um nível absolutamente superior.
Na análise contida aqui, há inúmeras questões intrigantes, sobre como as pessoas de sucesso enfrentam diversas situações na vida como, por exemplo:
– Por que as crianças mais inteligentes quase nunca são as que mais se destacam na vida?
– Por que é tão difícil mudar nossas convicções, mesmo quando colecionamos erros, e como alterar isso?
– Por que ser aberto a muitas opções quase sempre é uma característica negativa?
– Por que quase sempre as pessoas desistem muito próximo da conquista?
Analisando questões como essas, a obra oferece aos leitores uma nova compreensão sobre os 10 princípios da construção do sucesso. Ao entender como esses princípios alteram nossos resultados, o leitor terá a capacidade de adotar uma nova postura diante da vida e mudar seus resultados imediatamente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

[ Muy graciosa es la doncella ]

 " ¡Muy graciosa es la doncella
       como es bella y hermosa !
       Digas tú, el marinero
       que en las naves vivías,
       si la nave o la vela o la estrella
       es tan bella.

       Digas tú, el caballero
       que las armas vestías,
       si el caballo o las armas o la guerra
       es tan bella.

       Digas tú, el pastorcico
       que el ganadico guardas,
       si el ganado o los valles o la sierra
       es tan bella "

         Gil Vicente ( 1465-1537 )



TÃO GRACIOSA É A DONZELA
Gil Vicente (1475?-1536?)

Tão graciosa é a donzela,
como é bela e formosa!

Dize tu, ó marinheiro
que nos navios vivias,
se o navio ou a vela ou essa estrela
é tão bela.

Dize tu, ó cavaleiro
que essas armas vestias,
se o cavalo ou as armas ou a guerra
é tão bela.

Dize tu, ó pastorzinho
que esse gadinho guardas,
se o gado ou os vales ou a serra
é tão bela.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

cogito

.

" O prazer não está na descoberta da verdade mas na sua procura."

in Ana Karenina (?)

.

cogito

.

"A Vida é acerca de desvios"

"A verdadeira Vida está em aceitar como ela é e não como nós esperamos que ela seja."

" Tu tens o que queres ou tens as razões por que não."

" O "momentum" de um passo"


.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

[ Em que língua se traduz a chuva? ]

" ¿ A qué lengua se traduce la lluvia ?

       ¿ Cuántas sílabas forman el perfume que la rosa destila ?

       ¿ Con qué rimas uncirías las olas de la playa ?

       ¿ serías capaz de discernir los hemistiquios en el beso último de dos amantes y ponerle acento al
       silencio sutil de sus pupilas ?

       ¿ Qué humana ortografía serviría para ese ladrido a lo lejos que se oye en plena noche o para el
       pulso que late en yodo astro, incluso muerto?

       Dime con qué alfabeto se transcribe el sueño de la vida,

       dímelo sin palabras, que son merma,

       sin rima, sin acentos, sin medida,
       y luego, habla "

              Andrés Trapiello.

Em que língua se traduz a chuva?
Quantas sílabas formam o perfume que a rosa destila?
Com que rimas unirias as ondas da praia?
Serias capaz de discernir os hemistiquios no último beijo dos amantes e pôr acento ao silêncio subtil de suas pupilas?
Que humana ortografia serviria para esse ladrido que ao longe se ouve em plena noite ou para o pulso que late em iodo astro, incluso morto?
Diz-me com que alfabeto se transcreve o sonho da vida,
diz-mo sem palavras, que são restos,
sem rima, sem acentos, sem medida,
e logo, fala.

Andrés Trapiello.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

[ Se esta noite a sombra...]

" Si esta noche la sombra
       cayó sobre la sombra,
       y el silencio su sello puso
       sobre labios ya mudos,
       qué puede sorprenderte.

       Si aquel calor es una historia antigua
       y sus cenizas las esparce el viento.

       Qué puede sorprenderte,
       si ya tanto llovió sobre mojado "

          Ángeles Mora.



Se esta noite a sombra
caiu sobre a sombra
e o silêncio seu sêlo pôs
sobre lábios já mudos,
o que pode surpreender-te.

Se aquele calor é uma história antiga
e suas cinzas as espalha o vento.

o que pode surpreender-te,
se já tanto choveu sobre molhado.


Ángeles Mora.

trad. antónio carneiro

domingo, 13 de novembro de 2016

[ O poeta ia bêbedo no bonde]

.
.
.
O poeta ia bêbedo no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbedas.

Tudo era irreparável.
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! Últimos telegramas!
José, que colocava pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.

O poeta está bêbedo,
mas escuta um apelo na aurora:
Vamos todos dançar
entre o bonde e a árvore?

Entre o bonde e a árvore
dançai, meus irmãos!
Embora sem música
dançai, meus irmãos!
Os filhos estão nascendo.
Com tamanha espontaneidade.
Como é maravilhoso o amor
(o amor e outros produtos).
Dançai, meus irmãos!
A morte virá depois
como um sacramento.

Carlos Drummond de Andrade, Brejo das Almas

[ O teu rosto inclinado pelo vento ]

.
.
.
O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;

o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito água;
a boca sossegada onde apetece

navegar ou cantar, simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror;

são a grande razão, a única razão.
Eugénio de Andrade, Doze Poemas
 .
.
.

[ Tudo o que à noite é mais claro]

.
.
.


Tudo o que à noite é mais claro

é escuro durante o dia

portais em que nem reparo

postigos de talhe raro

e o segredo o desamparo

a que se chama poesia.



E quando à noite me deito

apago a luz para ver

sobre a água do meu peito

afilado rosto estreito

rendas de lençol no leito

e o teu corpo de mulher.



E assim habito contigo

à luz da luz apagada

e sem palavras te digo

juras de amor inimigo

carícias a que não ligo

suspiros de namorada.



Árvores que o dia consome

casinhas de telha vã

ó ruas que a sombra come

ninguém conhece o meu nome

ninguém mata a minha fome

e logo à noite é manhã.



António Lobo Antunes,

Letrinhas de Cantigas (2002)

a ver em que param as modas

.
.
.
A expressão idiomática é a ver em que param as modas e a sua origem virá duma anedota sobre um louco que andava nu pela rua, justificando-se junto das pessoas com o facto de que pretendia ver em que paravam as modas, até resolver vestir-se....
.
.

[ A inteligência é um espaço que inviabiliza o tempo.]

.
.
.
A inteligência é um espaço
que inviabiliza o tempo.

E acolhe, no entanto,
todo o visível concreto
para o devolver abstracto
do real. E mais objecto.
Porque, mundo enfim, e estado
da terra e conhecimento,
é anterior a o pensarmos
e só depois tema. Aberto
ao invisível trabalho
que se obstina. Toma alento
e vai subindo. Até o espaço
da inteligência e do tempo
se volveram num só alto
país de conhecimento.


Categorias e Outras Paisagens (2013).


Um poema de Fernando Echevarría (1929)

[ Um livro tem valor a meus olhos...]

.
.
.

Um livro tem valor a meus olhos pelo número e pela novidade de questões que levanta, anima ou reanima no meu pensamento. As obras que impõem ou postulam a passividade do leitor não são do meu gosto. Eu espero das minhas leituras que elas me provoquem observações, reflexões, daquelas paragens súbitas que suspendem o olhar, iluminam perspectivas e despertam a nossa curiosidade profunda, os interesses particulares das nossas investigações pessoais e o sentimento imediato da nossa presença de estarmos vivos.

Paul Valéry, in Variété V (pg. 269).

[ Tem seus prazeres o Inverno]

A Prima


Tem seus prazeres o Inverno; e ao domingo, às vezes.
se o sol pousa na neve dos jardins burgueses,
a gente sai com a prima a passear...
- E não se esqueçam lá da hora do jantar -

- é o que a mãe diz. E quando nós já vimos todos
os vestidos em flor passando entre o arvoredo,
a menina tem frio... e lembra com bons modos
como a névoa da tarde vem chegando cedo.

Voltamos para casa recordando o dia
que tão rápido foi... e que tão pouco ardia...
E do fundo da escada cheira-se esfomeado
o perfume, lá em cima, do peru assado.


in Poesia de 26 Séculos (Inova, 1972)


Um poema de Gérard de Nerval, traduzido por Jorge de Sena

[ Às vezes o presente tem presença a mais,]

.
.
.
Às vezes o presente tem presença a mais,
presente de mais.
Sente-se a luz a passar nos dedos,
as casas a encolher.
É preciso então orientar o tempo,
traçar um caminho,
azangar um fosso,
seguir uma formiga,
caminhar só.


Louise Warren

(Trad. A.M.)

VÍSPERA DE QUEDARSE

VÍSPERA DE QUEDARSE



Todo está preparado: la maleta,
las camisas, los mapas, la fatua esperanza.

Me estoy quitando el polvo de los párpados.
Me he puesto en la solapa
la rosa de los vientos.

Todo está a punto: el mar, el aire, el atlas.

Sólo me falta el cuándo,
el adónde, un cuaderno de bitácora,
cartas de marear, vientos propicios,
valor y alguien que sepa
quererme como no me quiero yo.

El barco que no existe, la mirada,
los peligros, las manos del asombro,
todo está preparado: en serio, en vano.


Juan Vicente Piqueras



Está tudo pronto, a mala,
as camisas, os mapas, a fátua esperança.

Estou a tirar o pó das pestanas
e já pus na lapela a rosa dos ventos.

Está tudo, o mar, o vento, o atlas.

Falta só o quando,
o onde, um diário de bordo,
cartas de marear, ventos propícios,
coragem e alguém que saiba
querer-me como nem eu mesmo me quero.

O barco inexistente, o olhar,
os perigos, as mãos do assombro,
está tudo pronto: a sério, em vão.
 

(Trad. A.M.)

[ Qué poco necesita el hombre...]

.
.
.
Qué poco necesita el hombre
que no quiere nada más que vivir.
Y ese poco sobra esta mañana
en que tras la tormenta
brilla el sol sobre la nieve
y es tan hermoso el mundo
que morir y vivir
no parecen cosas diferentes.


JOSÉ LUIS GARCÍA MARTÍN
Presente continuo
Impronta, Gijón (2015).
.
.
Quão pouco necessita um homem
que não quer mais do que viver.
E esse pouco sobra esta manhã
em que depois da tormenta
brilha o sol sobre a neve
e é tão belo o mundo
que morrer e viver
não parecem coisas diferentes.
.
.
.
José Luis Garcia Martin

[ Tanto de meu estado me acho incerto,]

.
.
.
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Nu~a hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar u~a hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.


Luís de Camões

.

um poema é...

.
.
.
Um poema é o resultado de multiplicar o silêncio por si mesmo.
.
.
.
José María Cumbreño
.
.
.

[ Dizias que nos sobram as palavras:]

MÚSICA CALADA



Dizias que nos sobram as palavras:
e era o lugar perfeito para as coisas
esse escuro vazio no teu olhar.

E demorava a dura paciência,
fruto do frio nas nossas mãos vazias
que mais coisas não tinham para dar.

Dizia então a dor o nosso gesto
e durava nas coisas mais antigas
a solidão sem rasto que há no mar.


LUÍS FILIPE CASTRO MENDES
Poesia Reunida (1985-1999)
Lisboa, Quetzal (1999)

[ Que inmensa la tristeza de un cuerpo que has amado,]

MÁS RAZONES PARA LA ESCRITURA




Que inmensa la tristeza de un cuerpo que has amado,
qué abandono tan cruel su peso entre las sábanas
señalando inequívoco las ausencias futuras:
la muerte, el desamor, la enfermedad, el tiempo.
Perfecto en su belleza de un instante. Inasible.
No hay modo
de retenerlo así. Ni las palabras
podrían suspender esa condena
de la fugacidad: escribe y calla.
Que un verso lo sostenga en el vacío,
que milagrosamente se eternice
cuanto vas a perder.
No es suficiente
que hayas amado mucho y hasta el fondo.
Antes de que la luz se apague, escribe.
Escribe, escribe,
simplemente escribe.

Josefa Parra




Que imensa tristeza a de um corpo que amaste,
que cruel abandono seu peso nos lençóis,
assinalando as ausências futuras,
a morte, o desamor, a doença, o tempo.
Perfeito em sua beleza de um instante. Intocável.
Não há meio 
de retê-lo assim. Nem as palavras 
poderiam suspender a sentença
da fugacidade, escreve e cala-te.
Que um verso o sustenha no vazio,
que milagrosamente se eternize
aquilo que vais perder.
Não basta 
que tenhas amado muito e até ao fundo.
Antes de a luz se apagar, escreve.
Escreve, escreve,
simplesmente escreve.


(Trad. A.M.)

.
VISIT WEBSITE

sábado, 12 de novembro de 2016

Só quem todos os dias vai morrer...

.
.
.
Só quem todos os dias vai morrer
pode cantar assim.
Era como cantariam
As torrentes
as grandes ervas bravas
a montanha.
O vosso coração continha udo
dentro de si:
ervas, águas, montanha,
humano coração
maior que a morte.




elena bono
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
trad. jorge de sena
assírio & alvim
2001

[ Que mãos são estas que retiram do solo...]

Que mãos são estas que retiram do solo
uma infinita tristeza?
Que sombras confere a luz das estrelas?
Que vozes de água vertem as lágrimas
desta mulher jovem?

Tudo tão perto.
Tudo tão cego.

Corpos transparentes e submersos
feitos de entrega.



maria azenha
a casa de ler no escuro
editora urutau
2016