domingo, 13 de novembro de 2016

[ Tudo o que à noite é mais claro]

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Tudo o que à noite é mais claro

é escuro durante o dia

portais em que nem reparo

postigos de talhe raro

e o segredo o desamparo

a que se chama poesia.



E quando à noite me deito

apago a luz para ver

sobre a água do meu peito

afilado rosto estreito

rendas de lençol no leito

e o teu corpo de mulher.



E assim habito contigo

à luz da luz apagada

e sem palavras te digo

juras de amor inimigo

carícias a que não ligo

suspiros de namorada.



Árvores que o dia consome

casinhas de telha vã

ó ruas que a sombra come

ninguém conhece o meu nome

ninguém mata a minha fome

e logo à noite é manhã.



António Lobo Antunes,

Letrinhas de Cantigas (2002)

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