domingo, 3 de abril de 2016

Fosse eu o fotógrafo cego
e guardaria a beleza vacilante das coisas,
a rapariga de blusa desabotoada,
o sol do meio-dia, a chave na porta,
o sopro que se imagina na fonte
do pensamento,
a presença dos ciprestes no mundo,
falhas, o assobio da infância,
espelhos do tempo.
Abraçaria o coração rachado de qualquer muro,
um homem fechado em si
como num caixão.
Quando uma sombra se perde
descobre no ar
o próprio trilho,
eu ficaria só entre os vivos,
escutaria no céu o rasto dos motores,
o fôlego dos vermes,
a lei da queda dos graves,
a nota imperfeita,
a veemência da carne.
Fosse eu e espalharia a luz.
Luís Filipe Parrado
Revista criatura n.º 4, Dezembro 2009

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