[Como uma voz de fonte que cessasse]
Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce
Parou… Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…
A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P’ra o mistério, silêncio a que a hora assiste…
E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…
Fernando Pessoa (1888-1935)
Poesia 1902-1917
(edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine)
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