quarta-feira, 23 de março de 2016

O Meghaduta

Ah, sublime poeta, aquele primeiro santificado dia 
De Asarh no qual, num desconhecido ano, escreveste
O teu Meghaduta! As tuas estrofes são 
Como escuros leitos de sonoras nuvens, transformando a desgraça
De todos os amantes separados através do mundo
Em tormentosa música.

Quem poderá falar das espessas nuvens desse dia,
Da alegria da luz, da fúria do vento
Sacudindo com o seu rugido os torreões de Ujjayini?
Quando as tormentosas nuvens colidiram, o seu estrondo libertou 
Num único dia o coração aprisionado e aflito de milhares de anos
De abatimento. Lágrimas há muito reprimidas, quebrando 
Os laços do tempo, parecem ter caído
Em cascata nesse dia, inundando as tuas nobres estrofes.

Será que cada exilado do mundo nesse dia
Levantou a cabeça, uniu as mãos, olhou a sua casa amada 
E cantou às nuvens a mesma 
Canção de saudade? Será que cada amante pediu a uma fresca e 
liberta nuvem
Para levar nas suas asas uma magoada mensagem de amor
Até à janela distante onde a sua amada 
Jazia no chão em desordenadas roupas,
Com o cabelo solto, com os olhos em lágrimas?
[…]

Rabindranath Tagore (1861-1941)
Poesia
(selecção e tradução de José Agostinho Baptista)

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