quarta-feira, 9 de março de 2016

II

Entre os dois mundos, a trégua em que não existimos.
Escolhas, dedicações… já outro som não têm
senão o som deste jardim descolorido

e nobre, onde teimoso o embuste
que mitigava a vida se mantém na morte.
Nos medalhões dos sarcófagos, as leigas

inscrições nas pedras cinzentas, curtas e
imponentes, mostram apenas o que resta
dos destinos de gente profana.

Ardem ainda de insaciáveis paixões,
sem qualquer escândalo, os ossos
dos milionários de nações

mais poderosas; rondam ainda os restos
das ironias dos príncipes, dos pederastas,
cujos corpos estão nas urnas espalhadas,

reduzidos a cinzas e não ainda castos.
Aqui o silêncio da morte prova
o silêncio civil de homens que continuam

a ser homens, de um tédio que no tédio
do Parque, discretamente, muda: e a cidade
que, indiferente, o relega para o meio

de tugúrios e igrejas, ímpia na sua piedade,
despe-se nele de todo o seu esplendor. A terra
semeada de urtigas e outras ervas dá

estes magros ciprestes, esta morrinha negra
que salpica os muros em redor
de pálidos rabiscos de buxo, que o crepúsculo

adoça e depois apaga em acres
cheiros de alga… essa erva rara
e inodora, onde roxo mergulha

o ar, com um arrepio de menta,
ou de feno podre, e calma aí começa,
na melancolia do dia, a abafada

trepidação da noite. Rude
é o clima, dulcíssima é a história
deste chão, entre estes muros, onde ressuma

outro chão; desta morrinha que
lembra outra morrinha; e ouvem-se soar
 – familiares em latitudes e

Horizontes onde as florestas inglesas coroam
Lagos perdidos no céu, por entre prados
Verdes como bilhares fosforescentes ou

Esmeraldas: «And O ye Fountains…» – piedosas
invocações




pier paolo pasolini
le ceneri di gramsci
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005

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