segunda-feira, 2 de maio de 2016

I

          Um livro crepita
          um gémeo pendura-se
          no seu fogo

          (aparato lírico do fogo
          queimando o labirinto)


II

Escorregam as linhas descendentes
de um poeta.

E as chuvas caminham noutra direcção
para uma página menos escrita.


III

Compare-se o que se diz
com o silêncio que circunda a boca
de um ser desconhecido.

Flecha primeira a chegar
aos confins da terra.

Um dispositivo de silêncio
nos pontos cardiais
desta página
instaura a maravilha
por alguns séculos


IV

Estremeço
No coração.
As letras vêm de lá
e da mão.

Padeço:
o eco — perco-o —
sai da garganta
e da distância.

Palavra é o que lembo
ou o que meço?

          
V

Este é o tempo todo que me falta
e nem é muito nem pouco.

De mim direi o que deixarem
as falas que flutuam entre mim.

Palavras não se repetem
nem o verso sai do sítio em si

Repousa muito aí, até esquecer.

A morada é nesta confluência
do que digo e aquilo que farei

depois e antes de não saber
falar


luiza  neto jorge
os sítios sitiados
poesia
assírio & alvim
1993

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