De Os Afluentes do Silêncio (1968):
"...E para terminar, vou fazer-vos uma confidência: creio que ninguém sabe de ciência certa o que é um poeta. Ele não veio ao mundo particularmente assinalado. Que estrelinha traz na testa, para que o reconheçamos? Goethe não a soube ver em Hölderlin, Pascoaes não a descobriu em Fernando Pessoa, nem os assassinos de Lorca a viram tremer nas suas mãos, Aloysia Weber também não a pressentiu nos olhos de Mozart; para si ele não era senão «um homem baixinho», razão mais que suficiente para o recusar em casamento. Parece não haver dúvida que o poeta, por mais solar que seja, carece de suporte. A sua realidade mais real são as sílabas dessas perguntas que vai fazendo num tempo que não está maduro ainda para lhe dar resposta cabal, como refere Walter Benjamin. Sílabas que vêm de longe, de tão longe que nelas ressoam obscuramente os primeiros balbúcios de uma tribo, de uma civilização. Pessoa diz isso admiravelmente quando afirma que deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero."
Eugénio de Andrade (19/1/1923 - 13/6/2005)
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