domingo, 22 de janeiro de 2017

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A HERANÇA

Da última vez que morri (e, querida, morro
Tantas vezes quantas de ti me aparto)
Ainda que tenha sido há uma hora apenas,
E as horas dos amantes sejam uma eternidade,
Consigo recordar, que eu
Disse algo, e concedi algo
Que, apesar de morto me fez voltar, e obrigou a ser
O meu próprio executor e herança.


Ouvi-me falar: <<Diz-lhe já
Que eu>> (ou seja tu, não eu)
<<Me matou>>; e quando me senti morrer
Deliberei enviar o meu coração depois de ter partido.
Mas – infeliz! – não encontrei lá nenhum,
Quando me abri e procurei no sítio onde se guardam.
Matou-me outra vez que eu, sempre sincero
Em vida, na minha última vontade te defraudasse.


Se bem que encontrei algo semelhante a um coração,
Mas tinha cores e cantos.
Não era bom, nem era mau,
Não era fiel a ninguém, e alguns o partilhavam.
O melhor que se podia arranjar por arte
Parecia; por isso, triste por nossas perdas,
Pretendi mandar este coração em vez do meu.
Mas oh, nenhum homem o podia segurar, porque era o teu.


[JOHN DONNE (1572 – 1631)
(Poemas Eróticos)
(tradução de Helena Barbas)

(in Poemário Assírio & Alvim 2013)

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