sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Como uma Voz de Fonte que Cessasse

Como uma voz de fonte que cessasse 
(E uns para os outros nossos vãos olhares 
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares 
De sonho, a voz que do meu tédio nasce 

Parou... Apareceu já sem disfarce 
De música longínqua, asas nos ares, 
O mistério silente como os mares, 
Quando morreu o vento e a calma pasce... 

A paisagem longínqua só existe 
Para haver nela um silêncio em descida 
P’ra o mistério, silêncio a que a hora assiste... 

E, perto ou longe, grande lago mudo, 
O mundo, o informe mundo onde há a vida... 
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo... 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" 

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