segunda-feira, 25 de janeiro de 2016


[Dói-me quem sou. E em meio da emoção]

Dói-me quem sou. E em meio da emoção
Ergue a fronte de torre um pensamento.
É como se na imensa solidão
De uma alma a sós consigo, o coração
Tivesse cérebro e conhecimento.

Numa amargura artificial consisto, 
Fiel a qualquer ideia que não sei,
Como um fingido cortesão me visto
Dos trajes majestosos em que existo
Para a presença artificial do rei.

Sim, tudo é sonhar quanto sou e quero.
Tudo das mãos caídas se deixou.
Braços dispersos, desolado espero.
Mendigo pelo fim do desespero,
Que quis pedir esmola e não ousou. 

Fernando Pessoa (1888-1935)
Poesia 1918-1930
(edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine)

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