terça-feira, 19 de janeiro de 2016
[onde terá começado a metalização da fala?]
onde terá começado a metalização da fala?
uma porta em alvenaria dá acesso
à eira de misteriosos e profundos limos
onde terei esquecido a cicatriz azul da escrita?
uma flor invade os veios secos da pedra
incendeia-se antes de se diluir na poeira
onde terei dado de beber à melancolia da memória?
o sangue transmutado em raríssimo metal
faz do coração e das veias a possível mina
onde vibrará a selvagem luminosidade dos pulsos?
há pistas estreitas de animal ferido pelas paredes
dentro do sonho segui-las-emos ao amanhecer
onde se esconderá o diminuto rosto ainda vivo?
insondáveis são as catástrofes da alma
e da loucura que já não nos prende um ao outro
que destino nos revela a mão sem linha da vida?
escuto o bater do tempo sob as pálpebras
e o terrível som da máquina de escrever
Al Berto (1948-1997)
Vigílias
(selecção e prólogo de José Agostinho Baptista)
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