Sobre minha escrita – A ideia inicial (1)
Estou escrevendo o novo livro, minha sétima história. Mais um desafio que sei como começou e que não imagino como terminará. Acho isso empolgante, pela sensação de ter entrado num universo desconhecido, com potencial de me trazer surpresas, emoções e lições. Estou animado; desejem-me sorte.
Como recorrentemente recebo perguntas a respeito de meu processo de escrita, tanto de leitores quanto de amigos escritores, e envolvido que estou pela história que venho construindo, decidi abrir uma pequena série aqui na coluna, com artigos sobre um pouco do que faço para conceber um livro. Escolhi cinco tópicos: a ideia inicial, a pesquisa, os personagens, as viradas e a amarração. Obviamente, eles não esgotam o processo. Muito pelo contrário. Há tantas outras coisas envolvidas que seria impossível abarcar tudo o que se passa entre o “1” e o “Fim”. Do mesmo modo, nem de longe há de surgir aqui a pretensão de ensinar qualquer coisa. Talvez deva ser visto mais como curiosidade, pois falo por mim. Cada autor tem suas manias e princípios, todos eles corretos e válidos. O importante, acredito, é a beleza do resultado.
Vamos ao começo de tudo: a ideia inicial.
Se é consenso que, por mais longa que seja a estrada, ela deve começar pelo primeiro passo, então a ideia inicial é, por óbvio, esse passo. Óbvio, mas não tão simples quanto parece. Já tentei abrir um documento no Word, salvar como “Novo livro”, esfregar as mãos, escrever o número 1 no alto à direita e, daí, me perguntar: “Vou escrever sobre o quê?” O cursor piscou mais de dez mil vezes e não saiu nada. Ou pelo menos nada que prestasse.
Aprendi que a ideia que merece ser desenvolvida tem de vir de uma motivação maior, de algo que realmente me incomode. Quando aparece alguma ideia supostamente boa, não mais sento e saio tentando escrever. Deixo-a pairando no ar. Se retorna durante aquela reunião chata de trabalho, acendo a luz amarela. Se tira meu sono, a luz amarela passa a piscar. Agora, se volta naquela hora mais imprópria de todas (e vocês sabem qual é…), a luz se transforma em verde e o documento no Word é aberto.
Há um grande clichê sobre esse tema, mas que funciona muito bem para mim: fazer a boa e velha pergunta “E se… ?” Essa pergunta abre um milhão de possibilidades, e grande parte das maiores histórias de todos os tempos deve ter começado nela: “E se um velho lesse tantos romances de cavalaria que ficasse meio maluco e resolvesse tornar-se um cavaleiro errante?”, “E se um camarada um dia acordasse transformado numa barata gigante?”, “E se dois jovens, filhos de famílias rivais, se apaixonassem perdidamente?” A tendência é acharmos que todas as perguntas já foram feitas. É aí que entra um complicador no desafio: qual é a pergunta secreta? Ou: quais das perguntas feitas poderiam ser perguntadas de outra forma? Provavelmente, não encontrarei o Santo Graal das perguntas não perguntadas. Já me conformei com isso. Se a questão que parece boa continua me martelando, aposto minhas fichas em que, ao longo da escrita, conseguirei convertê-la numa história original. A ferramenta? A forma de contar e amarrar tudo, a chamada “voz do autor” — única para cada escritor.
Em Surpreendente!, fiz a seguinte pergunta: “E se um cineasta que estiver realizando o filme da sua vida descobrir que só terá mais dois meses de visão?” O que decorreu daí pode ser conferido nas páginas do livro. Da ideia inicial vieram os personagens, as situações que levaram até a pergunta-chave, as decorrências dela, os pontos de virada, o clímax, a resolução da história. Começou de um jeito, terminou de outro completamente diferente. Mas a pergunta esteve lá o tempo todo.
Por fim, nunca deixo de considerar a possibilidade de jogar tudo fora, mesmo que, aparentemente, a ideia inicial seja fantástica e eu já tenha escrito um bocado sobre ela. Às vezes a coisa não engata, não flui, e os pelos do braço não arrepiam. Que venha, então, outra ideia! Porque certamente aquela não era a pergunta correta e tudo não passou de breve e tênue empolgação.
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