domingo, 3 de abril de 2016



Depois da chuva)


Tempestade atrás de tempestade,
por altares de água,
sacrificado o sangue
de um verão feroz, aos céus
foge esta terra – à origem –
com  verdadeiro amor, delapidando-se.
Nada já se reconhece em si.
Ou só o nada.
Fundas jazem as coisas,
sem contornos,
ubíquas e outras no mais além
da inexistência que as funda.
E isto, diz-me, o espaço
da unidade, o fio consumido
pelo eterno?
Esta é a miragem?

Com a sua ferrugem, cumprido
Esse destino fatal
 – quebra sem limite, rasto? –
este corpo, já ido, perpétuo
está nestes lodos
onde a cega posse é o ral.
Ele próprio é lodo
cego sem encontrar sentido?
A luz da morte,
interior a ele, ilumina-o.
Nada é. Apenas existe
secreto sem ocultar-se.
Ao sentido as suas mudanças
acaso negam, atrás do véu
da sua própria unidade.
Mas ele é o sentido!
Morto, e vivo no mais alto
como deve estar toda a matéria,
a consciência procura uma entrada,
qualquer massa
onde beber o seu sangue,
em vão. Não é visível a sua fuga
e se em alguma dobra do tempo
se procura encontrá-lo
o seu instante é um rio que não flui,
que passa sem suceder-se, eternidade
sem fim.

A chuva uniu
os deuses da terra
com os deuses do céu,
e é a chuva quem funda
o ser sagrado.
Por que débil derrota chegar agora
a pronunciar-te, corpo, debaixo de que solidões,
ao fio de que luz ou despertar?

Nesta esfera infinita
que se revela a si mesma
o verdadeiro permanece
onde se existe apenas,
sem herança nem fim,
no absoluto do extinto.
Como lua na noite,
como fogo acontecido
o corpo na morte é luz
e por ele o ser se mostra.

                                                    El único umbral


diego doncel
trípticos espanhóis 2º
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000

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