quarta-feira, 16 de março de 2016

Louvor e Simplificação de Mário 
Cesariny de Vasconcelos

Sobreviveste, Mário (como assim!) de Vasconcelos,
aos grilos da paróquia.
Entre os blocos de prédios cada vez mais enevoados,
conténs os teus sapatos, como outrora.

Não houve pão-de-ló, nem malvasia,
naquele piquenique no Rossio.
Houve um anão. (Os burros da Malveira
ficaram retidos na fronteira.)

E o anão, que era um trotador,
fez questão de saltar-te para o ombro.
Com a voz grilada pôs-se a gritar «É a Hora!»
Oh, Mário, e tu mandaste-o embora!

Murmurações, cricris acompanharam
o teu gesto nada paternal.
Finalmente os burros liberaram.
Num chouto desesperado aqui chegaram 
e estão a comer o teu bornal.

Mário, faz mal?

Alexandre O’Neill (1924-1986)
Anos 70 — poemas dispersos
(edição de Maria Antónia Oliveira e Fernando Cabral Martins, prefácio de Vítor Silva Tavares, desenhos de Luis Manuel Gaspar)

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