segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
[Um insecto desajeitado, muito maluco,]
Um insecto desajeitado, muito maluco,
sobrevoou a folha e estatelou-se
na pequena poça de água formada
pelas gotas que iam caindo
uma a uma devagar. Vindo
do nada, o frenesi de uma imagem
irresistível que é preciso captar
ataca pela base e chega depois
aos dedos, faz descobrir o uso doméstico
de uma metáfora e escrever,
porque é uma coisa que ninguém
pode ouvir, coisas deste género:
parece a minha vida, com a infância
a pular sobre a adolescência
e a estatelar-se redonda aí por essa idade
em que se sente a necessidade
de ser parte de um casal, em que se acha
mesmo que ser parte de um casal
é a coisa melhor do mundo.
Não se imagine o poema, imagine-se
o diálogo teatral, com a réplica numa ira
tradicional, ligada às impossibilidades
do ser, a plenos pulmões uma raiva
que não se sabe bem de onde vem.
Helder Moura Pereira (1949)
Se as Coisas Não Fossem o que São
COCSET, 2002
Não te esqueças de Casals,
do perfume sombrio das laranjeiras,
dos primeiros versos de Eugénio
ou daquele tio que desiludiste
ao dizeres que não era de mulher
o corpo que esses versos
mais amavam. Não te esqueças.
Tão depressa a morte cairá
sobre este poema. Recorda,
porém, a buganvília que abraçava
a varanda da casa e os amigos
todos que lá iam. Volta a sentir
na tua mão o peso das mãos
que um dia tiveram a destreza
do arco sobre as cordas
— à mercê de uma música sem saída.
Não te esqueças.
Ou melhor: esquece-te.
Manuel de Freitas (1972)
A Última Porta — antologia
(selecção e posfácio de José Miguel Silva)
Não te esqueças de Casals,
do perfume sombrio das laranjeiras,
dos primeiros versos de Eugénio
ou daquele tio que desiludiste
ao dizeres que não era de mulher
o corpo que esses versos
mais amavam. Não te esqueças.
Tão depressa a morte cairá
sobre este poema. Recorda,
porém, a buganvília que abraçava
a varanda da casa e os amigos
todos que lá iam. Volta a sentir
na tua mão o peso das mãos
que um dia tiveram a destreza
do arco sobre as cordas
— à mercê de uma música sem saída.
Não te esqueças.
Ou melhor: esquece-te.
Manuel de Freitas (1972)
A Última Porta — antologia
(selecção e posfácio de José Miguel Silva)
domingo, 28 de fevereiro de 2016
Talvez a alma seja apenas
uma imperfeita câmara escura
onde o que vemos serão cenas
de uma vida futura
e no contorno das imagens
que pouco a pouco se revela
descortinamos personagens
dessa vida mais bela.
Fotografias no avesso
da consciência fugidia
hão-de exigir-nos o seu preço
para a melancolia,
mas é tão bom ficar a vê-las
dentro de nós, num céu fictício
onde cintilam as estrelas
desse puro artifício
iluminando a nossa treva
com a estranha luz de um sobressalto
e é talvez isso que nos leva
a um lugar mais alto.
fernando pinto do amaral
poesia do mundo/3
afrontamento
2001
Homem só, diante do mar inútil,
À espera da noite, à espera da manhã.
As crianças vêm brincar, mas este homem
Não vê brincar nenhuma junto de si.
Grandes nuvens erguem um palácio sobre as águas
Que todos os dias desaba e ressurge, e põe cor
Nos rostos das crianças. Sempre haverá o mar.
A manhã fere. Sobre esta húmida praia
O sol rasteja, agarrado às redes e às pedras.
Ao sol nublado, o homem caminha junto
Ao mar. não olha as lentas espumas
Que sem descanso tentam escorrer na areia.
A esta hora as crianças dormem ainda
Na tepidez da cama. A esta hora, mulheres
Dormem nas suas camas. Estariam a fazer amor
Se não estivessem sós. O homem despe-se lentamente
E nu como as mulheres longínquas entra no mar.
Depois, à noite, quando o mar se encobre, ouve-se
O grande vazio debaixo das estrelas. As crianças
Nas casas tingidas de vermelho caem de sono,
Por vezes em lágrimas. O homem, cansado de esperar,
Ergue os olhos para as estrelas, que não ouvem nada.
A esta hora, há mulheres a despir crianças
E a adormecê-las. Também as há na cama,
Abraçadas a um homem. Pela janela escura
Entra um sopro rouco, e ninguém o escuta
A não ser o homem que conhece todo o desprezo do mar.
cesare pavese
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de ernesto sampaio
assírio & alvim
2001
Amor
Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.
Vinicius de Moraes
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Adiós
Esta é a terra onde o sofrimento
é toda a medida dos homens. Dão-
-me pena os condes com o seu leal faisão
e os cobardes com o seu fiel lamento.
A beleza vai-nos servindo de tormento
e a injustiça vai permitindo o pão.
Um dia brindareis pelos que tenham
convertido a dor em fundamento.
Nós que vivemos para dar alcance
a tão imensa luz que não poderia
um deus olhá-la sem tornar-se cego,
ainda teremos que atingir o lance:
de atirar ao silêncio a agonia
como quem lança o coração ao fogo.
Antonio Gamoneda (Oviedo, 1931)
Esta é a terra onde o sofrimento
é toda a medida dos homens. Dão-
-me pena os condes com o seu leal faisão
e os cobardes com o seu fiel lamento.
A beleza vai-nos servindo de tormento
e a injustiça vai permitindo o pão.
Um dia brindareis pelos que tenham
convertido a dor em fundamento.
Nós que vivemos para dar alcance
a tão imensa luz que não poderia
um deus olhá-la sem tornar-se cego,
ainda teremos que atingir o lance:
de atirar ao silêncio a agonia
como quem lança o coração ao fogo.
Antonio Gamoneda (Oviedo, 1931)
Hubble's Blue Bubble
The distinctive blue bubble appearing to encircle WR 31a is a Wolf–Rayet nebula — an interstellar cloud of dust, hydrogen, helium and other gases. Created when speedy stellar winds interact with the outer layers of hydrogen ejected by Wolf–Rayet stars, these nebulae are frequently ring-shaped or spherical.
Efeitos Nocturnos
A noite. A chuva. Um céu pálido, esfarrapando-se
Em flechas e em torres pla silhueta branda
Da gótica cidade em cinzento esfumada.
A planície. Um patíbulo cheio de enforcados
Mirrados, sacudidos plo bico das gralhas,
E bailando no ar negro danças sem igual,
Enquanto os seus pés servem de alimento aos lobos.
Dispersos espinheiros, azevinhos, moitas,
Espalhando a atroz folhagem plo fuliginoso
E emaranhado fundo de um confuso esboço.
E em redor de três lívidos prisioneiros
Descalços, um conjunto de partazaneiros
A marchar, e os seus ferros, como os de uma grade,
Reflectem ao contrário as lanças da chuvada.
Paul Verlaine (1844-1896)
Poemas Saturnianos e Outros
(tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto do Amaral)
A noite. A chuva. Um céu pálido, esfarrapando-se
Em flechas e em torres pla silhueta branda
Da gótica cidade em cinzento esfumada.
A planície. Um patíbulo cheio de enforcados
Mirrados, sacudidos plo bico das gralhas,
E bailando no ar negro danças sem igual,
Enquanto os seus pés servem de alimento aos lobos.
Dispersos espinheiros, azevinhos, moitas,
Espalhando a atroz folhagem plo fuliginoso
E emaranhado fundo de um confuso esboço.
E em redor de três lívidos prisioneiros
Descalços, um conjunto de partazaneiros
A marchar, e os seus ferros, como os de uma grade,
Reflectem ao contrário as lanças da chuvada.
Paul Verlaine (1844-1896)
Poemas Saturnianos e Outros
(tradução, prefácio, cronologia e notas de Fernando Pinto do Amaral)
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
A Viola da Alfama
Viola triste da feudal Alfama,
berço godo de heróis, que amaram riscos!…
Lisboa põe-te ao peito, e canta e exclama,
— como nos tempos dos solaus mouriscos.
O moço Egas Moniz, sem tons ariscos,
aqui ternos solaus tangeu à dama,
por esses turvos becos da moirama,
em que hoje há vis alfurjas com petiscos.
Bastas vezes aqui os arrabis
dos Infanções, Gardingos, e Alvazis,
se desataram em chorosos ais…,
para as adufas das preciosas moiras,
as quais namoriscavam como as loiras
— e piscavam seus olhos orientais.
Gomes Leal (1848-1921)
Mefistófeles em Lisboa — e outros humorismos poéticos
(edição de José Carlos Seabra Pereira)
Viola triste da feudal Alfama,
berço godo de heróis, que amaram riscos!…
Lisboa põe-te ao peito, e canta e exclama,
— como nos tempos dos solaus mouriscos.
O moço Egas Moniz, sem tons ariscos,
aqui ternos solaus tangeu à dama,
por esses turvos becos da moirama,
em que hoje há vis alfurjas com petiscos.
Bastas vezes aqui os arrabis
dos Infanções, Gardingos, e Alvazis,
se desataram em chorosos ais…,
para as adufas das preciosas moiras,
as quais namoriscavam como as loiras
— e piscavam seus olhos orientais.
Gomes Leal (1848-1921)
Mefistófeles em Lisboa — e outros humorismos poéticos
(edição de José Carlos Seabra Pereira)
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
[Um insecto desajeitado, muito maluco,]
Um insecto desajeitado, muito maluco,
sobrevoou a folha e estatelou-se
na pequena poça de água formada
pelas gotas que iam caindo
uma a uma devagar. Vindo
do nada, o frenesi de uma imagem
irresistível que é preciso captar
ataca pela base e chega depois
aos dedos, faz descobrir o uso doméstico
de uma metáfora e escrever,
porque é uma coisa que ninguém
pode ouvir, coisas deste género:
parece a minha vida, com a infância
a pular sobre a adolescência
e a estatelar-se redonda aí por essa idade
em que se sente a necessidade
de ser parte de um casal, em que se acha
mesmo que ser parte de um casal
é a coisa melhor do mundo.
Não se imagine o poema, imagine-se
o diálogo teatral, com a réplica numa ira
tradicional, ligada às impossibilidades
do ser, a plenos pulmões uma raiva
que não se sabe bem de onde vem.
Helder Moura Pereira (1949)
Se as Coisas Não Fossem o que São
Um insecto desajeitado, muito maluco,
sobrevoou a folha e estatelou-se
na pequena poça de água formada
pelas gotas que iam caindo
uma a uma devagar. Vindo
do nada, o frenesi de uma imagem
irresistível que é preciso captar
ataca pela base e chega depois
aos dedos, faz descobrir o uso doméstico
de uma metáfora e escrever,
porque é uma coisa que ninguém
pode ouvir, coisas deste género:
parece a minha vida, com a infância
a pular sobre a adolescência
e a estatelar-se redonda aí por essa idade
em que se sente a necessidade
de ser parte de um casal, em que se acha
mesmo que ser parte de um casal
é a coisa melhor do mundo.
Não se imagine o poema, imagine-se
o diálogo teatral, com a réplica numa ira
tradicional, ligada às impossibilidades
do ser, a plenos pulmões uma raiva
que não se sabe bem de onde vem.
Helder Moura Pereira (1949)
Se as Coisas Não Fossem o que São
[…]
No meu Eden todos observamos rituais compulsivos e tabus supersticiosos, mas não temos moral: na sua Nova Jerusalém os templos estarão vazios e todos serão devotos das virtudes racionais.
W.H. Auden (1907-1973)
O Massacre dos Inocentes — uma antologia
(tradução de José Alberto Oliveira)
No meu Eden todos observamos rituais compulsivos e tabus supersticiosos, mas não temos moral: na sua Nova Jerusalém os templos estarão vazios e todos serão devotos das virtudes racionais.
W.H. Auden (1907-1973)
O Massacre dos Inocentes — uma antologia
(tradução de José Alberto Oliveira)
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
700 quintiliões
A new study suggests that there are around 700 quintillion planets in the universe, but only one like Earth. It's a revelation that's both beautiful and terrifying at the same time. Astrophysicist Erik Zackrisson from Uppsala University in Sweden arrived at this staggering figure — a 7 followed by 20 zeros — with the aid of a computer model that simulated the universe's evolution following the Big Bang. Zackrisson's model combined information about known exoplanets with our understanding
____________________________________________700 TRILIÕES
Um novo estudo apresenta a Terra como apenas um entre cerca de 700 triliões de planetas no universo, mas mais nenhum igual.
Esta revelação é espantosa!
7 seguido de 20 zeros.
700.000.000.000.000.000.000. de planetas~
O astrofísico Erik Zackrisson da universidade Uppsala na Suécia chegou a este impressionante número com ajuda de um modelo de computador que simulou a evolução do universo desde o Big Bang.
in http://blogs.discovermagazine.com/d-brief/2016/02/22/earth-is-a-1-in-700-quintillion-kind-of-place/#.VswbvfmLTIU
____________________________________________700 TRILIÕES
Um novo estudo apresenta a Terra como apenas um entre cerca de 700 triliões de planetas no universo, mas mais nenhum igual.
Esta revelação é espantosa!
7 seguido de 20 zeros.
700.000.000.000.000.000.000. de planetas~
O astrofísico Erik Zackrisson da universidade Uppsala na Suécia chegou a este impressionante número com ajuda de um modelo de computador que simulou a evolução do universo desde o Big Bang.
in http://blogs.discovermagazine.com/d-brief/2016/02/22/earth-is-a-1-in-700-quintillion-kind-of-place/#.VswbvfmLTIU
staggering
Also found in: Thesaurus, Medical, Legal, Idioms, Encyclopedia.
Related to staggering: thesaurus, staggering gait
stag·ger·ing
(stăg′ər-ĭng)
adj.
Causing great astonishment, amazement, or dismay; overwhelming: a staggering achievement; a staggering defeat.
stag′ger·ing·ly adv.
Como as ondas gravitacionais podem revolucionar a astronomia
“Estes resultados confirmam várias previsões muito importantes da teoria da relatividade geral de Einstein”, disse Hawking em uma entrevista à BBC.
artigo (aqui)
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
T. de Pascoaes
Não digo que a escuridão seja um resíduo cromático
do poente. Coloco o nada no horizonte a órbita
da Lira. A noite é uma vala crematória
onde está sepulta e incolor a Antiguidade.
Parei no pórtico Aristóteles poisara as aves
numa uva. Eu bendisse o estilo e dissuadi
o crente imaginário que respondera ao eco.
Comparo os símbolos dos poetas do Orfeu
com os da alquimia.
Todos os que haviam descrito o inferno se exaltaram
Pascoaes não fora o último emissário
de que por detrás das colunas fictícias de uma noite
fica nítido o passado memorável para o futuro.
Anoto a noite com o mito de que o nocturno
é um idioma. Vi cada árvore dissolver as linhas
de incisão o cume engrandecer a curva
o Regresso às crostas do pó estrelas cristalinas.
Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007)
Obra Breve
forsaken
Also found in: Thesaurus, Legal, Wikipedia.
for·sake
(fôr-sāk′, fər-)
tr.v. for·sook (-so͝ok′), for·sak·en (-sā′kən), for·sak·ing, for·sakes
1. To give up (something formerly held dear); renounce: forsook liquor.
2. To leave altogether; abandon: forsook Hollywood and returned to the legitimate stage.
[Não posso dormir, porque três
milhões fazem muito barulho!]
Não posso dormir, porque três milhões fazem muito barulho!
Três milhões que sonham com os progressos da técnica,
que rezam a sua luta sob os solavancos das locomotivas,
que dos sarcófagos de vidro fumegam para a manhã,
não posso dormir, porque sei que eles desprezam o meu rosto,
este rosto que foi uma vez carne e sangue
e que esta noite se contrai, para se tornar na visagem horrenda do Diabo,
no abismo, no aniquilamento,
um rosto que não é digno de nenhuma paz,
este meu rosto, que viu mais que todos os rostos desta cidade juntos,
desta cidade que chora nas árvores e sob o vestido de seda
da «chansonette» na Praça da Concórdia…
Thomas Bernhard (1931-1989)
Na Terra e no Inferno
(tradução de José A. Palma Caetano)
milhões fazem muito barulho!]
Não posso dormir, porque três milhões fazem muito barulho!
Três milhões que sonham com os progressos da técnica,
que rezam a sua luta sob os solavancos das locomotivas,
que dos sarcófagos de vidro fumegam para a manhã,
não posso dormir, porque sei que eles desprezam o meu rosto,
este rosto que foi uma vez carne e sangue
e que esta noite se contrai, para se tornar na visagem horrenda do Diabo,
no abismo, no aniquilamento,
um rosto que não é digno de nenhuma paz,
este meu rosto, que viu mais que todos os rostos desta cidade juntos,
desta cidade que chora nas árvores e sob o vestido de seda
da «chansonette» na Praça da Concórdia…
Thomas Bernhard (1931-1989)
Na Terra e no Inferno
(tradução de José A. Palma Caetano)
domingo, 21 de fevereiro de 2016
[corpo]
corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa
abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado
mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas
levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
Al Berto (1948-1997)
Vigílias
(selecção e prólogo de José Agostinho Baptista)
corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa
abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado
mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas
levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
Al Berto (1948-1997)
Vigílias
(selecção e prólogo de José Agostinho Baptista)
sábado, 20 de fevereiro de 2016
[Do cómico ao cósmico]
Do cómico ao cósmico
fomos, viemos.
O pé do campeão
cortou a nossa meta.
Luiza Neto Jorge (1939-1989)
A Lume
Do cómico ao cósmico
fomos, viemos.
O pé do campeão
cortou a nossa meta.
Luiza Neto Jorge (1939-1989)
A Lume
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