sábado, 6 de fevereiro de 2016


Certa Voz na Noite, Ruivamente…

Esquivo sortilégio o dessa voz, opiada
Em sons cor de amaranto, às noites de incerteza,
Que eu lembro não sei d’Onde — a voz duma Princesa
Bailando meia nua entre clarões de Espada.

Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
E bêbada de Si, arfante de Beleza,
Acera os seios nus, descobre o sexo… Reza
O espasmo que a estrebucha em Alma copulada…

Entanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
A sua voz a fulcra ao meu lembrar-me. Assim
Não lhe desejo a carne — a carne inexistente…

É só de voz-em-cio a bailadeira astral — 
E nessa voz-Estátua, ah! nessa voz-total,
É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim…

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)
Verso e Prosa
(edição de Fernando Cabral Martins)

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