terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

[…]
E, no entanto, esse charco, em que as aluviões se vão 
depositando
e que deve brevemente desaparecer por completo
— assim pensam os autores do traçado da auto-estrada — 
é para mim um grande lugar da duração.
Em criança acompanhava o meu avô,
que ia lá cortar erva para os animais.
O lago ficava do outro lado da estrada que atravessava a 
povoação
e depois ainda do outro lado da «estrada velha», de macadame,
escondido numa depressão no sopé do monte
que deu o nome a uma batalha da Idade Média,
«a batalha de Wallersberg»,
e que eu percorria com frequência,
à procura dos restos enferrujados das armas
do século catorze.
Afastávamo-nos da margem
num bote quase quadrado,
que no dialecto local se chamava «Schinakel»,
e avançávamos a custo através de um denso canavial até ao ponto
em que ficava a área que tínhamos arrendada
e onde se encontravam as plantas aquáticas esverdeadas e 
suculentas,
que constituíam uma comida predilecta das vacas
e tornavam o leite muito mais saboroso.
Neste momento tenho a meu lado, em cima da secretária,
um colmo, há muito já seco,
colhido num outro lago, muito diferente,
o Lago de Doberdob, perto de Trieste,
o único lago do Karst.
Este espécime estala nas minhas mãos
e eu oiço de novo as gotas da chuva matutina
que caíam então no nosso bote.
[…]


Peter Handke (1942)
Poema à Duração
(tradução de José A. Palma Caetano)

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