Olha, deixa-me dizer-te isto antes que me esqueça: pego na fotografia, aquela a que nunca chamámos nossa porque éramos só nós sem espólio. Seguro-a como se fosse perigoso.
É um gesto inútil, a distância apenas contraria a memória.
Reparo devagar no inacreditável alongamento dos corpos quase impossíveis, vegetais. Vejo a assimetria de, a textura que, a sombra sobre, o intervalo entre. E como parecem banalidades em moldes.
E é um risco, sabes, porque subitamente lembro-me do corte, de um pequeno golpe já curado, terá sido faca, falha, acidente, procura de dor. Não sei. E é o que não sei que se ateia, é a maldição dos indícios. Um só dedo, por exemplo, um só dedo traçou palavras, alegrou-se, apontou na vertical, pousou sobre a febre, deu começos a solo. E o resto?
Não permito a fala da fotografia, a imprecisão com que descreve a junção, o erro no que diz do clarão que trouxe o escuro que nos abrigou da morte. E da grande luz que deu.
manuel margarido
voo rasante
antologia de poesia contemporânea
mariposa azual
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