sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O que habitualmente se sofre (se sente) não se pode
contar. Não é só porque isso é normalmente ridículo
(porque a grande maior parte do que se pensa e sente
é ridículo) e só o que é grande é que cai bem e vale
portanto a pena dizer-se. É que o dizer-se altera o que
se diz. O sentir é irredutível ao dizer. Só o estar
sofrendo diz o sofrer. Na palavra ninguém o reconhece
ou reconhece-o de outra maneira, essa maneira em
que já o não reconhece o que o conta. Mas dizia eu
que a generalidade do que se pensa, sente, é ridícula.
São raros os momentos de «elevação». A quase
totalidade do tempo passamo-la distraídos, alheados
em ideias sem interesse, nascidas de coisas sem
interesse, as coisas que vai havendo à nossa volta ou
no nosso divagar imaginativo ou que nem sequer chega
a haver porque há só a abstracção total no
quedarmo-nos pregados às coisas que nem vemos nem
nos despertam ideia alguma e estão ali apenas como
ponto de fixação do nosso absoluto vazio interior. 

Vergílio Ferreira

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