domingo, 14 de fevereiro de 2016

Cidade Velha

Muitas vezes, para voltar a minha casa
vou por uma escura rua da cidade velha.
Amarelo em algumas poças se espelha
algum candeeiro, e está a rua apinhada.

Aí entre quem vem e quem vai
da taberna a casa ou ao lupanar,
onde são mercadorias e homens o detrito
de um grande porto de mar,
eu encontro, quando passo, o infinito
na humildade.
Aqui a prostituta e o marinheiro, a mulher
a brigar, o velho que impreca, 
o dragão que se senta na lojeca
do fritador,
a tumultuosa jovem enlouquecida
de amor,
são todas criaturas da vida
e da dor;
nelas se agita, como em mim, o Senhor.

Aqui sinto com os humildes com que alinho
tornar-se o meu pensamento
mais puro onde mais torpe é o caminho.

Umberto Saba (1883-1957)
Poesia (uma antologia de Il Canzoniere)
(selecção, tradução, introdução e notas de José Manuel de Vasconcelos)

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