quarta-feira, 9 de março de 2016

Os Cães

Eram loucos. Alguns deles eram loucos, 
parados uma tarde inteira ao pé 
do arame, esquecidos, sobre o pó, 
gemendo lentamente, sei 
de fonte segura que eram loucos, 
alguns brutíssimos, rodam 
um dia inteiro, rodam sobre si 
próprios incansáveis, e ladram, 
ou gemiam apenas, lentamente 
como um sopro de vento 
quando dá no capim, ou sobre 
o pó gemem esquecidos, deitados, 
furiosos, ladram, loucos 
uma noite inteira, brutíssimos, 
coçando-me incansável nas 
pontas do arame, e logo ladro, 
gemem, «está um trapo», uma merda, 
a merda destes cães deitados 
porque em pé, percebes, eu já 
não (aguento) e fiz o possível, 
fizeram o possível por apenas 
gemer somente, cães que somos 
dez, vinte, chama-me «Niassa», 
ou «Tejo», vinha deitar-se aqui, 
e principalmente rodam, rodam sempre, 
vou rodando à velocidade 
incrível da bala. Eram loucos.

Fernando Assis Pacheco (1937-1995)
A Musa Irregular

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